Tem o objetivo de demonstrar como se desenvolve o sadismo - representação do mal - em Joana, personagem protagonista do romance “Perto do Coração Selvagem” de Clarice Lispector.
CLARICE:
O'Perto do coração selvagem‘ (1944) é o primeiro romance de Clarice Lispector, e desde logo percebeu-se o esforço em querer atingir as camadas mais profundas da consciência humana, num mergulho psicológico raras vezes tentado em nossa literatura.
OEm sua obra interessa a repercussão que os fatos tem sobre a consciência das personagens. É uma literatura introspectiva, que sonda o interior do ser humano para revelar suas dúvidas e inquietações. Importam as reflexões que nos levam para "perto do selvagem coração da vida"
SOBRE A OBRA:
A vida de Joana é contada desde a infância até a idade adulta através de uma fusão temporal entre o presente e o passado. A infância junto ao pai, a mudança para a casa da tia, a ida para o internato, a descoberta da puberdade, o professor ensinando-lhe a viver, o casamento com Otávio. Todos estes fatos passam pela narrativa, mas o que fica em primeiro plano é a geografia interior de Joana. Ela parece estar sempre em busca de uma revelação. Inquieta, analisa instante por instante, entrega-se àquilo que não compreende, sem receio de romper com tudo o que aprendeu e inaugurar-se numa nova vida. Ela se faz muitas perguntas, mas nunca encontra a resposta.
A citação mostra muito do perfil de Joana, demonstrando toda sua força e determinação:
“Sobretudo um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento, eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, (...) eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade, não o passado corroendo o futuro! O que eu disser soará fatal e inteiro!”. (Lispector, 1998, pg. 201)
A CONSTRUÇÃO DO SADISMO EM JOANA:
OSadismo: “ter prazer no sofrimento alheio.”. Em Perto do Coração Selvagem, o Sadismo é entendido como um processo de humanização, no qual quando se reconhece essa destruição por meio da maldade humaniza-se, ou seja: o mal faz parte da vida.
O“A expressividade do mal sempre habitou a literatura. (...). Dos seus primórdios à modernidade, o mal sempre encontrou palavras que o representassem.” (ROSENBAUM, 2006).
O“ Minha maldade vem do mau acomodamento da alma no corpo. Ela é apertada, falta-lhe espaço interior.” In: UM SOPRO DE VIDA. A expressão do mal é encontrada em varias outras obras de Clarice Lispector, a exemplo de “Um Sopro de Vida”.
OA intencionalidade de Joana é a busca da liberdade e do coração selvagem da vida.
Obs.: Esse SELVAGEM é entendido como antagonismo com o mundo, ou seja oposição e incompatibilidade de ideias, etc.
OO sadismo de Joana é apresentado logo no primeiro capítulo, que é apresentado sua infância, onde fala das galinhas, numa visão de ingenuidade e violência:
“Encostando a testa na vidraça brilhante e fria olhava para o quintal do vizinho, para o grande mundo das galinhas-que-não-sabiam-que-iam-morrer. E podia sentir como se estivesse bem próxima de seu nariz a terra quente, socada, tão cheirosa e seca, onde bem sabia, bem sadia uma ou outra minhoca se espreguiçava antes de ser comida pela galinha que as pessoas iam comer.(LISPECTOR, 1998, p. 13)
Esse olhar de joana que capta o mundo na sua dimensão destrutiva inexorável deixa entrever muito do perfil sádico da personagem. Ela é sensível a essas relações e tem prazer por tal visão.
OEm Joana adulta essa visão se transforma em compaixão e solidariedade:
“Quantas vezes não dera uma gorjeta exagerada ao garçom só porque se lembrara de que ele ia morrer e não o sabia.” (LISPECTOR, 1998, p. 111.)
Mas como se configura essa mudança?
Através de elementos como:
OCriança (brincadeira com as bonecas = MORTE): “Já vestira a boneca, já a despira, imaginara-a indo a uma festa onde brilhava entre todas as outras filhas. Um carro azul atravessava o corpo de Arlete, matava-a.”(págs.. 14-15)
Segundo ROSENBAUM, A morte da boneca é associada a uma “vingança” da mãe que morrera e que a deixou sozinha.
OFrustrações de Joana (O Pai = a falta de afetividade):
“― Papai, que é que eu faço?
―Vá estudar.
― Já estudei.(...)
― Então não amole.” (p. 15)
“Um ovinho, é isso, um ovinho vivo. O que vai ser de Joana?” (p. 17)
O GOSTO DO MAL:
OEm “O dia de Joana”- primeiro capítulo a tratar da vida adulta – observamos as transformações às quais Joana passou, iniciando com: “A certeza de que dou para o mal” (p.18). E continuando:
“O que seria aquela sensação de força contida, pronta para rebentar em violência, aquela sede de empregá-la de olhos fechados, inteira, com a segurança irrefletida de uma fera? (...). Nem o prazer me daria tanto prazer quanto o mal, (...). Sim, ela sentia dentro de si um animal perfeito. Repugnava-lhe deixar um dia esse animal solto.” (p.18)
OBS.: A certeza para o mal vem das concepções intelectuais que faz acerca da vida, eximindo-se de praticar a maldade.
OO “gosto do mal” é mais declarado e imaginado do que executado, embora sejam poucos, mas são densos os momentos que o sadismo de Joana externaliza-se:
OO roubo do livro: roubo este que a leva para o internato e recebe o nome de víbora pela tia:
“― Eu roubei o livro, não é isso? (...)
― Por que então...?
― Eu posso. (...)
― Sim, roubei porque quis. Só roubarei quando quiser. Não faz mal nenhum.” (págs. 49-50);
OO livro na nuca do velho – que além de tudo mentiu dizendo que havia sido engano:
“Encarava-o ereta e fria, os olhos abertos, claros. Olhou para a mesa, procurou um instante, pegou num livro pequeno e grosso. No momento em que ele punha a mão no trinco, recebeu-o na nuca.”(p. 92);
OQuando diz a Lídia que terá o filho e só depois lhe devolverá Otávio: “Eu lhe darei Otávio, não agora, porém quando eu quiser. Eu terei um filho e depois lhe devolverei Otávio.” (p. 155);
OE no capítulo “A víbora”, onde Joana mente para Otávio sobre a descoberta da gravidez de Lídia:
“ Não... Talvez eu tenha razão, (...). Talvez não se pense em nada disto antes de ter um filho. Acende-se uma lâmpada bem forte, tudo fica claro e seguro, toma-se chá todas as tardes, borda-se, sobretudo uma lâmpada mais clara do que esta. E o filho vive. Isso é bem verdade...tanto que você não temeu pela vida do filho de Lídia... Nenhum músculo do rosto de Otávio se moveu, seus olhos não pestanejaram.” (p. 184)
O FIM DE JOANA:
OAo final suspende o poder diabólico e se reconhece abandonada e só e reza para Deus:
“Deus meu eu vos espero, deus vinde a mim, deus, brotai no meu peito, eu não sou nada e a desgraça cai sobre minha cabeça e eu só sei usar palavras e as palavras são mentirosas e eu continuo a sofrer.” (LISPECTOR, 1998, p.198). Um fato importante a ser visto é que Deus aparece na aparece na obra por letras minúsculas, pela incredibilidade de Joana em Deus. Tanto que depois se arrepende e diz:
“Não, não, nenhum Deus, quero estar só.” (Idem, p.201)
Ao final existe a renovação: “e então nada impedirá meu caminho até a morte-sem-medo, de qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo”, tocando o núcleo selvagem da vida na obscuridade satânica: “só então viverei maior do que na infância, serei brutal e malfeita como uma pedra.” (LISPECTOR, 1998, págs. 202-201).
REFERÊNCIAS:
LISPECTOR, Clarice. Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
ROSENBAUM, Yudith. Metamorfoses do mal: uma leitura de Clarice Lispector. 1ª ed. 1ª reimp. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Fapesp, 2006. (Ensaios de Cultura, 17)
TDA//H
Você conhece um problema muito sério que muitas vezes não é percebido?
Fique conhecendo um pouco é o Transtorno de Déficit de Atenção e/ou Hiperatividade (TDA/H).
TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE (TDA/H)
ATENÇÃO E DÉFICIT DE ATENÇÃO
·ATENÇÃO: é um processo cognitivo pelo qual o intelecto focaliza e seleciona estímulos, estabelecendo relação entre eles.
·Funciona como “fornecedor de energia” para as demais funções cognitivas.
·O controle de atenção é algo variável para cada pessoa e, depende muito pouco da vontade consciente.
Obs.: Não há culpados pela falta de atenção.
TDA/H
O TDA/H é um transtorno neurobiológico, em que o córtex pré-frontal direito é um pouco menor nas pessoas com este transtorno, que afeta principalmente a parte do cérebro responsável pelas funções executivas como: atenção, controle dos impulsos e das emoções, a memória, etc.
ž Aparece normalmente até os 7 anos de idade e prolonga-se por toda a vida.
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais (DSM), o TDAH pode ser empregado sob três formas:
žSubtipo predominantemente desatento;
žSubtipo predominantemente hiperativo/impulsivo;
žSubtipo combinado;
Desatenção
Segundo o DSM, os sintomas são:
žNão presta atenção a detalhes e comete erros por descuido;
žTem dificuldades em manter a atenção nas atividades;
žParece não escutar quando lhe dirigem a palavra;
žNão segue as instruções e falha em terminar seus trabalhos escolares e tarefas;
žApresenta dificuldades em organizar tarefas e atividades;
žNão gosta de atividades que exijam esforço mental sustentado;
žPerde coisas com frequência e é esquecido;
žDistrai-se facilmente.
Em adultos pode apresentar os seguintes sintomas:
žA desorganização;
žA tendência a protelar e fazer tudo de ultima hora;
žA dificuldade para planejar em longo prazo;
žA falta de iniciativa e persistência;
žA falta de flexibilidade e automonitoramento.
O que o déficit de atenção tem a ver com problemas de aprendizado?
O déficit de atenção vai incidir na aprendizagem, pois o rendimento/ desempenho do aluno não será igual as outras crianças.
žEX: embora não tenha um déficit ou quadro de discalculia, o aluno cometerá erros por desatenção.
Diagnóstico do TDA/H
žÉ basicamente clínico, através de observação direta da criança e entrevista com a própria criança, pais e relato dos professores.
Obs.: desatenção não é uma doença é um sintoma.
žOutros fatores também podem causar desatenção, não especificamente o TDA, por isso deve-se ter muito cuidado na hora de diagnosticar uma pessoa.
Hiperatividade e Desatenção
Podem fazer parte do mesmo transtorno, mas cada uma forma um conjunto de sintomas diferentes. Há possibilidades do TDAH ser desmembrado em duas doenças. Uma com sintomas predominantes de desatenção e outras com sintomas de descontrole de impulsos e incapacidades de inibir comportamentos indesejáveis.
Hiperatividade – principais sintomas:
Agitar as mãos ou pés com freqüência ou se remexer na cadeira; não consegue permanecer sentada em sala de aula ou em lugares que exijam tal comportamento; dificuldade em brincar de forma silenciosa; está a mil a todo vapor, correr e/ ou falar em demasia.
Impulsividade (sintomas centrais)
žTendência a responder antes das perguntas serem completadas;
žDificuldades em esperar a sua vez;
žTendência a interromper ou se meter em assuntos dos outros;
žSensação de tédio, intolerância a rotina e irritabilidade.
žDéficits nas funções executivas.
Estes estão associados à boa memória; capacidade de traçar metas; ter boa organização; planejamento; iniciativa; persistência; controle de impulsos; automonitoramento; flexibilidade.
Desempenho Escolar.
Desatenção: mais problemas no aprendizado; diagnóstico tardio; apresentam mais doenças psiquiátricas “internas” – depressão e timidez patológica.
Hiperativos: causam muita confusão em casa em sala de aula por isso tendem a ser tratados mais cedo; mais chances de apresentarem doenças psiquiátricas “externas” – transtorno de conduta, transtorno opositivo desafiante; tendem a ter melhor desempenho escolar do que os predominantemente desatentos.
Tratamento.
O tratamento para o TDAH divide-se em quatro partes:
O momento histórico português no período pós-modernista é consideravelmente conturbado. O pós-modernismo iniciado em 1939/1940 é o período de pleno vigor do Regime Salazarista, o “Estado Novo”, que desde 1933 tinha se instalado no país, na figura do professor de Finanças da Universidade de Coimbra Antônio de Oliveira Salazar, que presidiu o país por quatro décadas.
Salazar tinha ligações quanto à ideologia aos movimentos fascistas e nazistas. De acordo com a nova Constituição de 1933 era proibido qualquer tipo de manifestação ou greves, consolidou-se a censura em todos os meios de comunicação, o único partido político permitido foi a “União Nacional”, do próprio governo, organizou ainda a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa, conforme os moldes do regime a fim de obter simpatizantes.
A força repressora identificada com o Salazarismo foi a Policia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), passando depois a Policia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), que prendeu, torturou e assassinou milhares de portugueses e africanos durante muitos anos, mantendo um campo de concentração nas Ilhas do Cabo Verde (1936-56).
Na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) o país proclamou-se neutro, embora a tenha beneficiado com a venda de produto para fabricação de material bélico e com simpatias ao nazi-fascismo. E na Guerra Fria, entre Estados Unidos e União Soviética, inspirou os Estados Unidos a seguir o seu modele de regime já que procurava fortalecer as ditaduras anticomunistas.
Neste período ditatorial tentaram-se várias vezes combater o governo Salazarista, através de movimentos, conspirações e até mesmo eleições, todas frustradas.
No contexto político-social do pós-Segunda Guerra Mundial, em que subsistiam os princípios de autodeterminação e independência, as colônias em todo o Mundo revoltavam-se contra os colonizadores, exigindo a independência, ou uma forma de governo equiparável à metrópole. E com as colônias portuguesas não podia ser diferente. As possessões portuguesas, agora chamadas de províncias ultramarinas, entre 1961 e 1964 estalam uma série de tumultos violentos contra as forças coloniais portuguesas exigindo a libertação dos povos. Primeiro em Angola, depois na Guiné Portuguesa e Cabo Verde, e em 1964 em Moçambique, dava-se início, então a um conflito armado que ficou conhecido na historiografia portuguesa como Guerra do Ultramar, e na historiografia das antigas colónias como Guerra de Libertação.
Em 1968, Salazar morre, mesmo assim o regime continuou até 25 de Abril de 1974, onde um golpe militar pôs fim a quatro décadas de repressão. Este movimento ficou conhecido como a “Revolução dos Cravos”, por não ter sido violento.
Com a Revolução dos Cravos, o poder foi assumido pela Junta de Salvação Nacional, organizada por militares e depois substituída pelo Conselho da Revolução (1975-1982). Antônio de Spínola é designado presidente da republica. O primeiro de uma sucessão de governos provisórios.
Em 25 de Abril de 1976, um ano após o fim do regime, realizam-se as primeiras eleições democráticas para organização de uma Assembleia Constituinte que elaborasse uma nova Constituição para o país, à qual é promulgada em 2 de Abril de 1976 e é a constituição que rege Portugal até hoje.
Inicia-se a Terceira República, o período da história de Portugal correspondente ao atual regime democrático implantado após a Revolução dos Cravos. Durante os primeiros anos pós-revolucionários, caracteriza-se por constante instabilidade e possibilidade de guerra civil. Contudo, com a nova Constituição a censura foi proibida, a liberdade de expressão garantida a todos, os prisioneiros libertados e as maiores instituições do Estado Novo extintas e a independência concedida as colônias africanas.
Á 23 de Setembro de 1976 tem inicio o I Governo Constitucional de Portugal com Mario Soares. As primeiras eleições democráticas para a presidência da republica foram realizadas por sufrágio direto, vencendo Ramalho Eanes. Todas as instituições democráticas passam a funcionar e Portugal entra para o Conselho da Europa e posteriormente à atual União Europeia em 1986, e em 1999 aderiu a Zona Euro.
Após a adesão à União Europeia, o país presidiu o Conselho Europeu por três vezes, a última em 2007, recebendo a cerimônia de assinatura do Tratado de Lisboa.
I.NEORREALISMO (1940-1974)
O Neorrealismo surge em repúdio ao “descompromisso” do movimento Presencista e pela descoberta da ficção norte-americana e brasileira dos anos 30, sobretudo as figuras de José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, de fisionomia sócio realista.
Segundo Moisés (2009):
Daí que o Neo-Realismo tenha sido um movimento em que se restaurou a ideia literatura social, de consciente ação transformadora, literatura engagée, a serviço da redenção do homem do campo e da cidade, injustiçado e humilhado por estruturas sociais envelhecidas: na linha do pensamento marxista, os neo-realistas punham o problema da luta de classes, na equação senhor x escravo, que se desgastou à custa de tanto serem repetida, e que por vezes atrofiou a dimensão literária de certas obras, reduzindo-as a panfletos. ( MOISES, 2009, p.394)
Essa redução a panfletos tratada por Moisés se explica pelo fato de que quando o Neorrealismo surge em 1940, possui uma relativa pobreza doutrinária, na ânsia de se contrapor à concepção de arte-pela-arte, fez com que certas produções iniciais do movimento enfatizassem, unilateralmente, o conteúdo, não levando em consideração que ele é indissociável da forma artística. Assim perdia o vigor, inclusive a própria denúncia social. Essas doutrinas só foram discutidas depois, mas que não se chegou a definitivo acordo, já que as teorias coincidiam com as obras e estas lhe correspondiam.
Ainda em Moisés observa-se a relação ao marxismo, onde este é uma das bases filosóficas deste movimento, juntamente com o estruturalismo, na valorização da estética e da linguagem, o existencialismo francês.
O neorrealismo deve ser entendido na perspectiva de uma atitude do artista em face ao mundo, portanto este movimento não é uma escola literária, mas um método de abordagem da realidade é uma escrita dialética que procura representar a realidade em movimento.
As primeiras manifestações do movimento neorrealista na literatura são através de jornais e revistas, destacando-se: O Diabo (1934-40); Sol Nascente (1937-40) e Vértice (1945), onde foram publicados prenúncios do movimento em escritos de Ferreira de Castro (Literatura Social Brasileira, 1934), Joaquim Namorado (Do Neo-Realismo, 1938), Alves Redol (Lua de Pé, 1939), Seabra Novaes (Literatura Populista, 1939).
A publicação da coletânea de poemas O Novo Cancioneiro, iniciada em 1941, divulgou alguns dos escritores mais representativos do movimento. Dividido em volumes que são: I Terra (Fernando Namora), II Poemas (Mário de Dionísio), III Sol de Agosto (João Cochofel), IV Aviso à Navegação (Joaquim Namorado), V Os Poemas de... (Álvaro Feijó), VI Planície (Manuel da Fonseca), ambos de 1941, VII Turismo (Carlos de Oliveira), VIII Passagem de Nível (Sidônio Muralha), IX Ilha de Nome Santo (Francisco José Tenreiro) de 1942 e X A Voz que Escuta (Políbio Gomes) de 1944.
Ao Novo Cancioneiro seguiu-se a coleção Galo, dirigida por Carlos de Oliveira e Joaquim Namorado, publicaram-se: Poesia I (1948) e Poesia II (1950) de José Gomes Ferreira e Esperança Desesperada (1948) de Armindo Rodrigues.
Mas a obra introdutória do Neorrealismo é Gaibéus (1940) de Alves Redol.
PRINCIPAIS AUTORES E OBRAS
As principais figuras do Neorrealismo são Ferreira de Castro, como maior divulgador e Alves Redol, mas não trataremos destes, pois se dedicaram a prosa, e o que nós propomos é analisar a poesia. Portanto os principais autores na poesia são:
Fernando Namora: A obra de Fernando Namora (1919-1989) há de considerar três fases: a primeira caracteriza-se pelo realismo psicológico, uma espécie de fusão entre as influências presencistas e as neorrealistas, a segunda pelo realismo de tônica social, disposição para analise dos dramas sociais e a terceira uma forma acentuada de realismo muito mais interessado no que vai às consciências do que no corriqueiro atrito social.
Escreveu: Relevos (1938), Marde Sargaços (1940), Terra (1940), As FriasMadrugadas (1959), Marketing (1969).
Manuel da Fonseca: Manuel da Fonseca (1911-1993) é um dos pioneiros da poesia neorrealista, seus primeiros escritos estamparam-se no jornal O Diabo e no Novo Cancioneiro. Segundo Moisés (2009), na poesia, a revolta neorrealista irrompe à flor da palavra e determina versos intencionalmente prosísticos, espécie de crônica ou de gesta alentejana, de onde parece expulso o lirismo expresso na ficção, mas ao contrário do que lá acontece, um erotismo algo adolescente também cruza o texto, porém tal discrepância na poesia prolonga o dos romances e contos.
Uma importante característica da obra de Manuel da Fonseca é sua adaptação para o cinema, seus textos servem de verdadeiros roteiros para o cinema.
Escreveu: Planície (1940), Poemas Completos (1958), Rosa dos Ventos (1940).
Carlos de Oliveira: A obra de Carlos Alberto Serra de Oliveira (1921-1981) é paradigmática para definirmos o percurso das melhores produções em prosa e em verso do Neorrealismo português. Segundo Júnior e Paschoalin (1985), suas três primeiras coletâneas poéticas (Turismo, 1942; Mãe Pobre, 1945; Colheita Perdida, 1948) representam a melhor poesia portuguesa da década de 40. A ruptura com esses poemas de ênfase referencial dar-se-á nos anos 60 (Cantata, 1960; Sobre o lado esquerdo, 1968; Micropaisagem, 1968). Mas a elaboração artística será ainda mais intensificada no Trabalho Poético (1976), onde seleciona e revisa poemas já publicados, acrescente um inédito, Planície.
José Gomes Ferreira: A escrita social de José Gomes Ferreira (1900-1985) situa-se entre as mais vigorosas da literatura portuguesa contemporânea, sua obra poética após os poemas juvenis, gira em torno da tensão dialética consciência individual/social. E o polo dominante dessa tensão é o social.
Escreveu: Poesia I (1948), II (1950), III (1961), IV (1970), V (1973) e Poesia Militante – 1, 2, 3, 4 (1977, 1978, 1978, 1991).
Outros Autores: Políbio Gomes dos Santos (As três pessoas, 1938; A voz que escuta, 1944; Poemas, 1981); Sidónio Muralha (beco, 1941; Poemas, 1941-71; Armindo Rodrigues (Obra Poética, 1970-80); João José Cochofel (Sol de Agosto, 1941; Os Dias Íntimos, 1950; 46° Aniversário,1966; Obra Poética, 1989); Joaquim Namorado (Incomodidade, 1945; A poesia Necessária, 1966); entre outros.
POEMA NEORREALISTA
Faremos aqui uma pequena comparação quanto à evolução de obras de um mesmo autor em diferentes momentos do movimento neorrealista.
Cantiga do Ódio
O amor de guardar ódios
agrada ao meu coração,
se o ódio guardar o amor
de servir a servidão.
Há-de sentir o meu ódio
quem o meu ódio mereça:
ó vida, cega-me os olhos
se não cumprir a promessa.
E venha a morte depois
fria como a luz dos astros:
que nos importa morrer
se não morrermos de rastros?
Carlos de Oliveira, in 'Mãe Pobre'(1945)
Filtro
O poema
filtra
cada imagem
já destilada
pela distância,
deixa-a
mais límpida
embora
inadequada
às coisas
que tenta
captar
no passado
indiferente.
Carlos de Oliveira, in 'Micropaisagem'(1968)
O poeta Carlos de Oliveira é um dos mais importantes do Neorrealismo, é natural do Brasil, mas foi para Portugal ainda criança e aderiu às tendências em voga.
O primeiro poema trata de 1945, fase inicial do Neorrealismo, o qual defendia uma literatura engagée, permeada pela crítica social em voga na época, e este poema mostra justamente a revolta ao regime totalitário em Portugal.
Embora o poema fale de amor e ódio, colocando em forma de antítese nos primeiros versos, entendemos este poema como uma metáfora, uma critica ao governo salazarista e a realidade como um todo, quando ele fala, por exemplo, em odiar a quem mereça, ou seja, o regime que estava instalado no país e o ódio que guarda o amor de servir a servidão, e servidão nos remetem as classes mais desfavorecidas, desprovidas de bens materiais.
A metáfora da morte também pode ser observada, expressada: “que nos importa morrer/ se não morrermos de rastros?”, seria morrer, mas morrer lutando por uma causa.
Quanto à forma o poema é composto de três quadras, versos heptassilábicos, ou redondilhas maiores e com rimas pobres evidenciando um apreço as composições antigas ou clássicas.
Já no segundo poema de 1968, podemos observar o desenvolvimento do autor em relação à forma e ao conteúdo. Quanto à forma observamos que se trata de um poema novo, e ao conteúdo percebe-se a valorização da linguagem até porque o poema é uma metalinguagem, ou seja, o poema falando do próprio poema, e isto é uma característica marcante da “poesia de 61”, que buscava no estruturalismo uma valorização da linguagem. Também observamos que o poeta está mais tranquilo quanto a critica social, como se tivesse superado a revolta, a dor já estava filtrada pelo poema, tratando de um “passado indiferente”. E este ano de publicação do poema, é o exato ano em que Salazar morre, não significando que o regime tenha acabado pelo menos a maior figura dele não estava mais presente e com isso o regime estava enfraquecido.
II.SURREALISMO (1947-1974)
Lançado por André Breton, em 1924 na França, marcou toda a arte de vanguarda europeia no período entre as duas guerras mundiais. Após a Segunda Guerra (1939-45) começaram a surgir grupos de dissidência ou de individualismo inapetente das fórmulas que estavam em voga. Então em 1947, cria-se em Lisboa o Grupo Surrealista por iniciativa de Cândido da Costa Pinto, que teve sua primeira manifestação uma homenagem a Gomes Leal, intitulada Só Gomes Leal / o Mago Lesel / o Póro da Noite (1948). Em 1948, Mário Cesariny de Vasconcelos desliga-se da agremiação e organiza o Grupo Surrealistas Dissidentes.
Segundo Moisés (2009) os surrealistas entendiam que a Arte deveria buscar a expressão do que seria do que paira além da realidade, acima da realidade, propunham uma visão do mundo que recolocasse o “eu profundo” do artista em lugar das questões sociais. Essa expressão do inconsciente aconteceria livremente por meio de uma linguagem automática.
Um dos precursores do Surrealismo é Vitorino Nemésio (1901-1978), com as obras O Bicho Harmonioso (1938) e Eu, Comovido a Oeste (1940), que representam a primeira transformação dos gostos presencistas capaz de resistir ao seu rápido envelhecimento posterior à publicação póstuma de Pessoa. Ele nega os discursos presencistas, embora eles pretendessem ser apenas fieis ao fundo inconsciente e gratuito da sua intimidade.
Os Cadernos de Poesia também são precursores deste movimento. Foi fundada por Tomaz Kim, José Blanc e Ruy Cinati, a revista teve três séries e quinze números, em 1940-42, 1951, 1952-53. Nela queriam arquivar a atividade da poesia atual sem dependência de escolas ou grupos literários.
Mas, o maior divulgador foi Mário Cesariny (1923-2006), ao qual vamos conhecer, e também outros que são de fundamental importância.
Mário Cesariny: Ele foi o fundador do grupo dos Dissidentes e o mais persistente de todos, quando todos os grupos se desfizeram e quando houve mutação na obra dos surrealistas da primeira hora, ele manteve-se convicto de suas ideias e intuições. Destaca-se, sobretudo, na poesia graças à numerosa e densa produção na área: Corpo Visível (1950), Discurso sobre a Reabilitação do Real Cotidiano (1952), Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos (1953), A Afixação Proibida (1953), Manual de Prestidigitação (1956), Pena Capital (1957), Alguns Mitos Maiores Alguns Mitos Menores Propostos à Circulaçãopelo Autor (1958), Nobilíssima Visão (1959), Poesia (1961), Planisfério eOutros Poemas (1961), 19 Projetos de Aldonso Ortigão seguidos de Poemasde Londres (1971), Burlescas, Teóricas eSentimentais (1972), Titânia e casa Queimada (1977), Primavera Autônoma das Estradas (1980).
Antônio Pedro: um dos fundadores do grupo dos Surrealistas de Lisboa, o primeiro, portanto o introdutor. É o primeiro português distintamente surrealista.
Na poesia praticou no início um lirismo com acentos simbolistas e saudosistas e com inspiração no Orfismo: Ledo Encanto (1927), Distância (1928), Devagar (1929), Máquina de Vidro (1931), Canções e Outros Poemas (1936), Diário (1929), A Cidade (1932), Casa do Campo (1938), Onze PoemasLíricos de Exaltação e o Folhetim (1938). Transitou para o Surrealismo em: Proto-Poema da Serra d’Arga (1948), onde há um refinamento com relação às obras anteriores.
Antônio Maria Lisboa: Deixando apenas um breve livro de poesia (Poesiade Antônio Maria Lisboa, 1977), sua obra é escassa, mas não menos fulgurante. A sua poesia timbra pela desconexão, como se vários “eus” que a um só tempo captassem a mesma realidade e elaborassem o mesmo poema.
Alexandre O’neill: Participou ativamente na instalação do Surrealismo em Portugal em 1947, e logo se manifestou por meio da publicação de A Ampola Miraculosa (1948). Outros vieram: Tempo de Fantasmas (1951), No Reino daDinamarca (1958), Abandono Vigiado (1960), Poemas com Endereço (1962), Feira Cabisbaixa (1965), De Ombro na Ombreira (1969), Entre a Cortina e aVidraça (1972), A Saca de Orelhas (1979), As Horas já de Números Vestidas (1981), Anos 70 – Poemas Dispersos (2005).
Natália Correia: Deixou, de acordo com os moldes surrealistas, diversas obras poéticas: Rio de Nuvens (1947), Poemas (1955), Dimensão Encontrada (1957), Passaporte (1958), Comunicação (1959), Cântico do País Emerso (1961), O Vinho e a Lira (1967), Mátria (1969), As Maçãs de Orestes (1970), AMosca Iluminada (1972), O Anjo do Ocidente à estrada do Ferro (1973), Poemas a Rebate (1975), Epístola aos Iamitas (1976), O Dilúvio e a Pomba (1979), O Armistício (1985), Sonetos Românticos (1990).
Outros: José Viale Moutinho (Atento como um Lobo, 1975; Crônica de Cavaleiro Andante, 1975-2002), Artur do Cruzeiro Seixas (Obra Poética, 2002), Henrique Risques Pereira (Transparência do Tempo, 2003), Antônio José Forte (Desobediência Civil, 1989; Uma Faca nos Dentes, 2003), Fernando Alves dos Santos (Diário Flagrante. Poemas, 1954; Textos Poéticos, 1957; DiárioFlagrante, 2005), Isabel Meyrelles (Em Voz Baixa, 1951; Palavras Noturnas, 1954; O Rosto Deserto, 1966).
POEMA SUREALISTA
Exercício Espiritual
É preciso dizer rosa em vez de dizer ideia
é preciso dizer azul em vez de dizer pantera
é preciso dizer febre em vez de dizer inocência
é preciso dizer o mundo em vez de dizer um homem
É preciso dizer candelabro em vez de dizer arcano
é preciso dizer Para Sempre em vez de dizer Agora
é preciso dizer O Dia em vez de dizer Um Ano
é preciso dizer Maria em vez de dizer aurora.
Mário Cesariny, in Poesia (1963)
Antes de tudo é importante que se entenda que quando se fala que os neorrealistas defendiam uma literatura fundada no inconsciente não significa estes só fossem melancólicos, românticos ou coisa assim, até porque o nosso inconsciente depende de nossa realidade, e este poema de Mário Cesariny de 1963 expressa perfeitamente o estado de espirito do autor na expressão de seus sentimentos/pensamentos em dada época.
Primeiro observamos uma comprovação de que realmente ele está expressando os pensamentos, pois sempre pensa algo e fala outro, “É preciso dizer rosa em vez de dizer ideia”.
Observa-se também que semelhante aos poemas neorrealistas, este faz uso da poesia para mostrar a realidade do país, que é o que ele estava pensando e expressa através da literatura, fazendo relação, por exemplo, a Salazar quando ele diz: “é preciso dizer o mundo em vez de dizer um homem”; ao clima de mistério expressado em “arcano”; ao tempo que parasse que não passa, um dia dura um ano; ao aspecto negro: “pantera” e a esperança de dias melhores: “aurora”.