Trabalho realizado em
coautoria com Rita de Cássia de J. Batista. Tem por objetivo mostrar a
heterogeneidade do português brasileiro através de alguns tipos de variações
expressas por Castilho (2010), como: variação geográfica, variação
sociocultural, variação individual, variação de canal e variação temática.
1 A HETEROGENEIDADE DO
PORTUGUÊS BRASILEIRO
Segundo
Castilho (2010), As línguas são construtivamente heterogêneas, pois através
delas temos de dar conta das muitas situações sociais em que nos envolvemos, em
nosso dia a dia. Elas são também inevitavelmente voltadas para a mudança, pois
os grupos humanos são dinâmicos, e as línguas que eles falam precisam
adaptar-se às novas situações históricas.
Variação e
mudança são propriedades linguísticas que não impedem a intercompreensão,
porque obedecem a uma sistematicidade e a uma regularidade.
Os seguintes eixos organizam a
heterogeneidade/diversidade do PB: Variação
geográfica; Variação sociocultural; Variação individual; Variação de canal; Variação
temática.
Cada
uma dessas variações, por sua vez, é organizada por um conjunto de variantes,
ou seja, um conjunto de usos linguísticos considerados relevantes para a
caracterização de uma variedade. Com isso, entende-se por variação a
manifestação concreta da língua, e por variedade a soma idealizada das
variações.
Variante
> variação > variedade
Para estudar a
variação linguística, temos de selecionar um conjunto de variantes. Em suma, o
conjunto de variantes configura uma variação, e o conjunto das variações
configura a variedade linguística. A pesquisa sociolinguística tem demonstrado
que as regras variáveis são correlacionadas com fatores sociais e fatores
estruturais.
2 VARIAÇÃO
GEOGRÁFICA
Falantes do
PB, como de qualquer outra língua natural, procedem de determinado espaço
geográfico. Há uma correlação entre a região de origem dos falantes e as marcas
específicas que eles vão deixando em sua produção linguística.
Portugueses e
brasileiros não falam do mesmo jeito. Brasileiros do Norte, do Nordeste, do
Sudeste, do Centro-Oeste e do Centro-Sul tampouco falam exatamente do mesmo
jeito. Uma língua natural conterá, portanto, diferentes dialetos*, relacionados
ao espaço geográfico que ela ocupa. De todas as variedades do português, a
variedade geográfica é a mais perceptível.
2.1 A DIALETOLOGIA BRASILEIRA
Segundo
Ferreira/ Cardoso (1994:37-63), três fases assinalaram o desenvolvimento da
Dialetologia brasileira.
A primeira
fase vai de 1826 a 1920, caracterizando-se “pela produção de trabalhos
voltados, basicamente, para o estudo do léxico e de suas especificidades no PB,
de que resultaram numerosos dicionários, vocabulários e léxicos regionais”
(Ferreira/ Cardoso, 1994: 15).
A segunda fase
vai de 1920 a 1952. O período foi inaugurado pelo paulista Amadeu Amaral, ao
escrever O dialeto caipira. Ele observou os usos do português em
Capivari, Piracicaba, Tietê, Itu, Sorocaba e São Carlos, descrevendo
detalhadamente a pronúncia, questões de gramática e de vocabulário da região. Antenor
Nascente publicou em 1922 O linguajar carioca, livro que chamou a
atenção para a importância da Dialetologia, ele organizou o primeiro mapa
dialetológico brasileiro, o qual tem sido tomado como referência pelos
pesquisadores atuais.
A terceira
fase vem de 1952 até a atualidade, caracterizando-se “pela produção de
trabalhos com base em corpus constituído de forma sistemática e é
marcado(a) pelo início das preocupações com o desenvolvimento dos estudos de
Geografia Linguística no Brasil”
Mas foi Nelson
Rossi, linguista carioca filiado à Universidade Federal da Bahia, que saiu a
campo com uma equipe que ele prepara, publicando os primeiros atlas
linguísticos regionais do Brasil. A opção pelos atlas regionais explica-se
pela enormidade do território brasileiro, entre outras dificuldades.
2.2
FALARES
BRASILEIROS
2.3
A sociedade brasileira tem-se caracterizado nos
últimos trinta anos por uma enorme mobilidade, causada pela intensa urbanização
e pela expansão da fronteira agrícola. No começo do século XX, apenas 8% da
população habitava as cidades, porcentagem que passou para 36% na década de
1950, para 67,6% na de 1980, e pouco mais de 80% no final do século XX.
Nos dois
casos, passam a conviver brasileiros de regiões geográficas diferentes,
usuários de falares igualmente diferentes.
3 VARIAÇÃO SOCIOCULTURAL
Mesmo que se
considerem os falares do PB originários de uma mesma região, ainda assim sua
linguagem varia, pois cada falante procede de um segmento diferente da
sociedade. Costuma-se sistematizar as variedades socioculturais levando em
conta as seguintes variáveis:
Falantes não escolarizados - analfabetos
usam o português popular, ou variedade não culta;
Falantes escolarizados - pessoas escolarizadas falam usam o
português culto, ou variedade padrão.
É preciso
deixar claro que: quando distinguimos PB popular e PB culto, estamos nos
referindo a variações socioculturais não separáveis rigidamente. Ninguém é
exclusivamente “falante popular” nem “falante culto”. Quem pratica o português
popular não “fala errado” – apenas opera com a variedade correspondente ao seu
nível sociocultural e Quem pratica o português culto não “fala certo” – apenas
se serve da variedade correspondente ao seu nível cultural. Ninguém usa o
português formal numa situação familiar, ninguém fala como se falava no
passado.
4 VARIAÇÃO INDIVIDUAL
A variação individual é mais uma das
exceções do português brasileiro que inclui: o registro, a idade e o sexo.
1. REGISTRO: PB
Formal e PB Informal
O espaço social interindividual se caracteriza
a partir de diferentes graus de intimidade, tendo assim o registro,
variando entre o PB formal (ou refletido) e o PB informal (ou coloquial).
Por exemplo:
Bilhete para a namorada:
“Oi Bia:
Seguinte. A gente combinou de ir no
cinema amanhã, sessão da tarde. Não vai dar.
Me esqueci que tem uma prova no
colégio, e se eu não estudar minha velha me pega pelo pé. Eu, hein?
Tô fora. Você me entende.
Beijocas,
Pedrão”.
Carta para o patrão:
“Senhor gerente:
Terei de faltar amanhã ao trabalho em
razão de uma prova bem difícil, no colégio. Precisarei estudar, pois se eu for
mal nessa prova minha mãe vai ficar muito nervosa. Espero que o senhor
compreenda minha situação e que me desculpe.
Atenciosamente,
Pedro” (Castilho, 2010).
2. A IDADE
Sabemos que pessoas de diferentes idades falam de acordo com
seu contexto de vivência. Os jovens, por exemplo, usam de gírias.
3. O SEXO: português de homens e mulheres
Homens e mulheres também falam e usam expressões diferentes.
Por exemplo:
Homem: Cara, preciso te
dá ideia do que rolou ontem na festa.
Mulher: Ai amiga,
preciso te contar o que aconteceu ontem.
Homem: Comprei uma
camisa massa.
Mulher: Amiga, comprei
uma blusinha linda.
5 VARIAÇÃO DE CANAL
“A comunicação linguística pode
ocorrer em presença do interlocutor, quando falamos, ou na sua ausência, quando
escrevemos. Isso nos leva à variação de canal,
a língua falada e a língua escrita.” (CASTILHO, 2010).
PORTUGUÊS FALADO:
Histórico dos estudos
sobre a oralidade:
1º momento: Antes da invenção do gravador portátil, onde a
observação da língua falada se dava em segmentos conversacionais recolhidos de
memória e registrados no papel;
2º momento: marcado pelo uso do gravador, pela organização da
língua falada, pelo debate das formas de transcrição e pelas análises dos
materiais levantados. A língua falada se constitui assim, como objeto
científico.
Metodologia para os
estudos da oralidade: a gravação e a transcrição
Para gerar um documento da língua falada, os falantes são
selecionados por critérios geográficos e sociolinguísticos e são escolhidos o
tipo de entrevista: monólogo informal/formal, diálogo informal/formal, conversa
telefônica.
Caracterização da
língua falada
Uma caracterização da língua falada passa por tais pontos:
1) A língua falada resulta de um dialogo
em presença, imediato, ou de ausência, como na conversa telefônica;
2) A língua falada documenta
simultaneamente dois momentos: o planejamento, pré-verbal, de caráter
cognitivo, e o a execução verbal de caráter sociointeracional;
Na Gramática há a reunião dessas propriedades,
configurando-se na chamada sintaxe colaborativa.
1) Língua falada como
diálogo em presença:
A linguagem humana
é fundamentalmente dialógica, a diferença é que na língua falada os usuários
estão em presença e a construção enunciativa se dá na interação.
“Locutor e
interlocutor assumem a coautoria do texto, que vai sendo gerado numa forma
interacional, obrigando ambos a uma sorte de coprocessamento sintático.”
(Blanche-Benveniste, 1986:91)
2) Língua falada como
planejamento e execução simultâneos: O planejamento corresponde a fase cognitiva onde selecionamos
o que vai ser dito e analisamos as condições de interação para dizer o
pretendido, e fase de execução é a fase verbal em que representamos no léxico e
na gramática as ideias adequadas ao ato de fala através da representação
fonológica. E ambas as fases são
simultâneas, no tempo real.Pois todos os falantes estão em presença e tudo “vai para o
ar”, simultaneamente pensamos e falamos.
3) Agenda para uma sintaxe colaborativa:
A sintaxe colaborativa é a organização da estrutura
gramatical da língua falada.
A “sintaxe colaborativa” envolve pelo menos três áreas de
pesquisa:
a) Elipse e anacoluto;
Se caracterizam pelas descontinuações da fala, da omissão de
termos fazendo com que as frases tenham uma incoerência lógico-gramatical.
Ex.: (1) bom... A cozinha também Ǿ estilo moderno (= em
estilo moderno)
(2) Cada um já fica mais ou menos responsável por si pelo
menos... De si... Fisicamente né? de higiene... de... trocar roupa... todo esse
negócio.
b) Segmentos epilinguísticos;
São epilinguísticos os segmentos em que o falante conversa
sobre a língua, negando uma expressão, voltando atrás, vendo a melhor forma de
expor a ideia:
O terreiro (...) é: como poderia chamar? Um chão.
c) Repetição de constituintes.
A repetição é mais um elemento da língua falada, na medida em
que repetem vão construindo a estrutura funcional da sentença, permitindo ao
observador desvendar importantes mecanismos de constituição e funcionamento da
linguagem.
PORTUGUÊS ESCRITO:
Sobre a especificidade da língua falada e da língua escrita,
os estudos nos levam a três direções:
1) Apenas a língua falada tem estatuto próprio, sendo a
língua escrita uma transposição da primeira (Câmara Jr);
2) Que língua falada e língua escrita são autônomas,
entendendo que na língua falada o sentido está no contexto e na língua
escrita o sentido está no texto (Olson/Torrance);
3) Língua falada e língua escrita se dão num continuum de
usos, integrados por diversos pontos focais (Tannen; Chafe; Berruto; Biber;
Marcuschi).
Caracterização da
língua escrita: processos e produtos
Há pelo menos dois processos constitutivos da língua escrita:
1) É um diálogo que ocorre em ausência do interlocutor:
O leitor ao qual se escreve, encontra-se em ausência física,
assim as expressões tem que ser mais explícitas, em que a língua escrita se
torna dependente do próprio texto refletindo em sua unidade, o parágrafo.
2) O planejamento e a execução ocorrem em momentos distintos:
O planejamento e a execução não coincidem no tempo, pois no
texto escrito, o autor pode escrever, refazer, dando ao texto escrito uma maior
elaboração, porém dissimula o processamento linguístico.
Quanto aos produtos destes processos temos pelo menos:
1) O parágrafo: § = signum sectionis (símbolo do
corte) é a unidade da língua escrita. No parágrafo não se pode omitir o tópico,
e as ligações com o que precede ou sucede devem ser indicadas através de expressões
como primeiramente, em segundo lugar, em consequência, voltando ao ponto,
etc.
2) Uma sintaxe especializada: “A tradição gramatical do
Ocidente repousa sobre a língua escrita.”. Temos a presença de estruturas
sintáticas mais elaboradas, como a nominalização e subordinação; uso abundante
da voz passiva; sentenças declarativas predominando sobre as interrogativas e
imperativas, etc.
3) Diversidades de escrita e gêneros discursivos:
1. Língua escrita corrente:
Tem seus fins utilitários, como a manutenção de contatos
familiares e de negócios; difusão de notícias; ordenamento do direito público;
garantia dos direitos privados; documentos de administração pública, etc. Esta
é mais conservadora, por assentar direitos dos cidadãos e do Estado.
2) Língua escrita literária
“Tem uma finalidade artística, sendo sustentada por projetos
estéticos. Ela tende a ser mais inovadora, pois os escritores buscam
continuadamente interpretar seu tempo, expressando-se de modo individualizado.”
6 VARIAÇÃO TEMÁTICA
PORTUGUÊS CORRENTE: São os assuntos do dia a dia.
PORTUGUÊS TÉCNICO: São os assuntos especializados, é a linguagem comum de
médicos, cientistas, políticos, clérigos.
Exemplos: Português Corrente: “Em alguns casos de
câncer de boca, as células da pele perdem funções próprias, ganhando funções típicas das células conjuntivas.
Quando isso acontece, elas produzem proteínas especificas das células
conjuntivas. Uma série de eventos
acontecem então, tais como a perda de sua coesão e a invasão das células
conjuntivas, (em busca dos vasos
sanguíneos), promovendo o espalhamento do câncer pela boca.”
Português Técnico: “A
transição epitélio-mesenquimal é um processo-chave na invasão e metástase em
carcinomas, sendo responsável pela ativação de genes epiteliais como as
Citoqueratinas. Uma série de eventos segue a transição epitélio-mesequimal,
como a perda da adesão celular, a síntese de componentes exclusivos da matriz
extracelular como a glicosaminoglicana Fibronectina e a síntese de proteases
como a Estromelisina-1.”
OBSERVAÇÃO:
Alguns termos técnicos passaram para o uso corrente, como
termos referentes ao futebol e ao carnaval:
Vocês são um time unido, parabéns!
Coitado, ficou para escanteio a vida toda.
Sabe aquele cara de mau hálito? Foi chegando e, para escapar,
dei o maior chapéu. Sai fora!
Você ganhou no quesito paciência.
CONCLUSÃO
Com base no que vimos, percebemos que
o português brasileiro como qualquer outra língua possui variações por sua
heterogeneidade e pela adaptação ao longo do tempo, das mudanças que ocorrem em
todas as línguas. Observamos o estudo de cinco tipos específicos de variação
que Castilho (2010) dispõe em seu livro.Com relação a variação geográfica
refere-se a diferentes formas de pronúncia, às diferenças de vocabulário e de
estrutura sintática entre regiões.
Com relação
a variação social pode-se agrupar alguns fatores de diversidade: o nível
socioeconômico, o grau de educação, a idade e o gênero do indivíduo. O uso de
certas variantes pode indicar qual o nível socioeconômico de uma pessoa.
Quanto à variação individual, esta é
composta pela variação de registro, de idade e de sexo, correspondendo as
relações interindividuais. A variação de canal corresponde ao português falado
(diálogo em presença) e o português escrito ( comunicação em ausência) e a
variação temática é com relação ao português do cotidiano e o português técnico, comum à determinadas áreas.
Portanto, o
português brasileiro é caracterizado por sua grande variedade de falares
espalhados por todo o Brasil.
REFERÊNCIAS
CASTILHO, Ataliba T. de. Nova Gramática do Português
Brasileiro. São Paulo: Ed. Contexto, 2010.
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