sábado, 16 de julho de 2011

Poesia Portuguesa Pós-Moderna (Neorrealismo e Surrealismo)


I.              MOMENTO HISTÓRICO

O momento histórico português no período pós-modernista é consideravelmente conturbado. O pós-modernismo iniciado em 1939/1940 é o período de pleno vigor do Regime Salazarista, o “Estado Novo”, que desde 1933 tinha se instalado no país, na figura do professor de Finanças da Universidade de Coimbra Antônio de Oliveira Salazar, que presidiu o país por quatro décadas.
Salazar tinha ligações quanto à ideologia aos movimentos fascistas e nazistas. De acordo com a nova Constituição de 1933 era proibido qualquer tipo de manifestação ou greves, consolidou-se a censura em todos os meios de comunicação, o único partido político permitido foi a “União Nacional”, do próprio governo, organizou ainda a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa, conforme os moldes do regime a fim de obter simpatizantes.
A força repressora identificada com o Salazarismo foi a Policia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), passando depois a Policia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), que prendeu, torturou e assassinou milhares de portugueses e africanos durante muitos anos, mantendo um campo de concentração nas Ilhas do Cabo Verde (1936-56).
Na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) o país proclamou-se neutro, embora a tenha beneficiado com a venda de produto para fabricação de material bélico e com simpatias ao nazi-fascismo. E na Guerra Fria, entre Estados Unidos e União Soviética, inspirou os Estados Unidos a seguir o seu modele de regime já que procurava fortalecer as ditaduras anticomunistas.
Neste período ditatorial tentaram-se várias vezes combater o governo Salazarista, através de movimentos, conspirações e até mesmo eleições, todas frustradas.
No contexto político-social do pós-Segunda Guerra Mundial, em que subsistiam os princípios de autodeterminação e independência, as colônias em todo o Mundo revoltavam-se contra os colonizadores, exigindo a independência, ou uma forma de governo equiparável à metrópole. E com as colônias portuguesas não podia ser diferente. As possessões portuguesas, agora chamadas de províncias ultramarinas, entre 1961 e 1964 estalam uma série de tumultos violentos contra as forças coloniais portuguesas exigindo a libertação dos povos. Primeiro em Angola, depois na Guiné Portuguesa e Cabo Verde, e em 1964 em Moçambique, dava-se início, então a um conflito armado que ficou conhecido na historiografia portuguesa como Guerra do Ultramar, e na historiografia das antigas colónias como Guerra de Libertação.
Em 1968, Salazar morre, mesmo assim o regime continuou até 25 de Abril de 1974, onde um golpe militar pôs fim a quatro décadas de repressão. Este movimento ficou conhecido como a “Revolução dos Cravos”, por não ter sido violento.
Com a Revolução dos Cravos, o poder foi assumido pela Junta de Salvação Nacional, organizada por militares e depois substituída pelo Conselho da Revolução (1975-1982). Antônio de Spínola é designado presidente da republica. O primeiro de uma sucessão de governos provisórios.
Em 25 de Abril de 1976, um ano após o fim do regime, realizam-se as primeiras eleições democráticas para organização de uma Assembleia Constituinte que elaborasse uma nova Constituição para o país, à qual é promulgada em  2 de Abril de 1976 e é a constituição que rege Portugal até hoje.
Inicia-se a Terceira República, o período da história de Portugal correspondente ao atual regime democrático implantado após a Revolução dos Cravos. Durante os primeiros anos pós-revolucionários, caracteriza-se por constante instabilidade e possibilidade de guerra civil. Contudo, com a nova Constituição a censura foi proibida, a liberdade de expressão garantida a todos, os prisioneiros libertados e as maiores instituições do Estado Novo extintas e a independência concedida as colônias africanas.
Á 23 de Setembro de 1976 tem inicio o I Governo Constitucional de Portugal com Mario Soares. As primeiras eleições democráticas para a presidência da republica foram realizadas por sufrágio direto, vencendo Ramalho Eanes. Todas as instituições democráticas passam a funcionar e Portugal entra para o Conselho da Europa e posteriormente à atual União Europeia em 1986, e em 1999 aderiu a Zona Euro.
Após a adesão à União Europeia, o país presidiu o Conselho Europeu por três vezes, a última em 2007, recebendo a cerimônia de assinatura do Tratado de Lisboa.

I.              NEORREALISMO (1940-1974)

O Neorrealismo surge em repúdio ao “descompromisso” do movimento Presencista e pela descoberta da ficção norte-americana e brasileira dos anos 30, sobretudo as figuras de José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Jorge Amado, Rachel de Queiroz, de fisionomia sócio realista.
Segundo Moisés (2009): 

Daí   que  o  Neo-Realismo  tenha  sido  um movimento   em   que se restaurou a ideia literatura social, de consciente ação transformadora, literatura engagée, a serviço da redenção do homem do  campo  e da cidade, injustiçado e humilhado por estruturas sociais  envelhecidas: na    linha  do   pensamento   marxista, os    neo-realistas  punham  o problema da  luta de classes,  na  equação  senhor x escravo,  que se desgastou à custa de tanto serem repetida, e que  por   vezes atrofiou  a   dimensão  literária    de  certas  obras,  reduzindo-as  a  panfletos.  ( MOISES, 2009, p.394)

Essa redução a panfletos tratada por Moisés se explica pelo fato de que quando o Neorrealismo surge em 1940, possui uma relativa pobreza doutrinária, na ânsia de se contrapor à concepção de arte-pela-arte, fez com que certas produções iniciais do movimento enfatizassem, unilateralmente, o conteúdo, não levando em consideração que ele é indissociável da forma artística. Assim perdia o vigor, inclusive a própria denúncia social. Essas doutrinas só foram discutidas depois, mas que não se chegou a definitivo acordo, já que as teorias coincidiam com as obras e estas lhe correspondiam.
Ainda em Moisés observa-se a relação ao marxismo, onde este é uma das bases filosóficas deste movimento, juntamente com o estruturalismo, na valorização da estética e da linguagem, o existencialismo francês.
O neorrealismo deve ser entendido na perspectiva de uma atitude do artista em face ao mundo, portanto este movimento não é uma escola literária, mas um método de abordagem da realidade é uma escrita dialética que procura representar a realidade em movimento.
As primeiras manifestações do movimento neorrealista na literatura são através de jornais e revistas, destacando-se: O Diabo (1934-40); Sol Nascente (1937-40) e Vértice (1945), onde foram publicados prenúncios do movimento em escritos de Ferreira de Castro (Literatura Social Brasileira, 1934), Joaquim Namorado (Do Neo-Realismo, 1938), Alves Redol (Lua de Pé, 1939), Seabra Novaes (Literatura Populista, 1939).
A publicação da coletânea de poemas O Novo Cancioneiro, iniciada em 1941, divulgou alguns dos escritores mais representativos do movimento. Dividido em volumes que são: I Terra (Fernando Namora), II Poemas (Mário de Dionísio), III Sol de Agosto (João Cochofel), IV Aviso à Navegação (Joaquim Namorado), V Os Poemas de... (Álvaro Feijó), VI Planície (Manuel da Fonseca), ambos de 1941, VII Turismo (Carlos de Oliveira), VIII Passagem de Nível (Sidônio Muralha), IX Ilha de Nome Santo (Francisco José Tenreiro) de 1942 e X A Voz que Escuta (Políbio Gomes) de 1944.
Ao Novo Cancioneiro seguiu-se a coleção Galo, dirigida por Carlos de Oliveira e Joaquim Namorado, publicaram-se: Poesia I (1948) e Poesia II (1950) de José Gomes Ferreira e Esperança Desesperada (1948) de Armindo Rodrigues.
Mas a obra introdutória do Neorrealismo é Gaibéus (1940) de Alves Redol.

PRINCIPAIS AUTORES E OBRAS

As principais figuras do Neorrealismo são Ferreira de Castro, como maior divulgador e Alves Redol, mas não trataremos destes, pois se dedicaram a prosa, e o que nós propomos é analisar a poesia. Portanto os principais autores na poesia são:
Fernando Namora: A obra de Fernando Namora (1919-1989) há de considerar três fases: a primeira caracteriza-se pelo realismo psicológico, uma espécie de fusão entre as influências presencistas e as neorrealistas, a segunda pelo realismo de tônica social, disposição para analise dos dramas sociais e a terceira uma forma acentuada de realismo muito mais interessado no que vai às consciências do que no corriqueiro atrito social.
Escreveu: Relevos (1938), Mar de Sargaços (1940), Terra (1940), As Frias Madrugadas (1959), Marketing (1969).
Manuel da Fonseca: Manuel da Fonseca (1911-1993) é um dos pioneiros da poesia neorrealista, seus primeiros escritos estamparam-se no jornal O Diabo e no Novo Cancioneiro. Segundo Moisés (2009), na poesia, a revolta neorrealista irrompe à flor da palavra e determina versos intencionalmente prosísticos, espécie de crônica ou de gesta alentejana, de onde parece expulso o lirismo expresso na ficção, mas ao contrário do que lá acontece, um erotismo algo adolescente também cruza o texto, porém tal discrepância na poesia prolonga o dos romances e contos.
Uma importante característica da obra de Manuel da Fonseca é sua adaptação para o cinema, seus textos servem de verdadeiros roteiros para o cinema.
Escreveu: Planície (1940), Poemas Completos (1958), Rosa dos Ventos (1940). 
Carlos de Oliveira: A obra de Carlos Alberto Serra de Oliveira (1921-1981) é paradigmática para definirmos o percurso das melhores produções em prosa e em verso do Neorrealismo português. Segundo Júnior e Paschoalin (1985),       suas três primeiras coletâneas poéticas (Turismo, 1942; Mãe Pobre, 1945; Colheita Perdida, 1948) representam a melhor poesia portuguesa da década de 40. A ruptura com esses poemas de ênfase referencial dar-se-á nos anos 60 (Cantata, 1960; Sobre o lado esquerdo, 1968; Micropaisagem, 1968). Mas a elaboração artística será ainda mais intensificada no Trabalho Poético (1976), onde seleciona e revisa poemas já publicados, acrescente um inédito, Planície.
 José Gomes Ferreira: A escrita social de José Gomes Ferreira (1900-1985) situa-se entre as mais vigorosas da literatura portuguesa contemporânea, sua obra poética após os poemas juvenis, gira em torno da tensão dialética consciência individual/social. E o polo dominante dessa tensão é o social.
Escreveu: Poesia I (1948), II (1950), III (1961), IV (1970), V (1973) e Poesia Militante1, 2, 3, 4 (1977, 1978, 1978, 1991).
Outros Autores: Políbio Gomes dos Santos (As três pessoas, 1938; A voz que escuta, 1944; Poemas, 1981); Sidónio Muralha (beco, 1941; Poemas, 1941-71; Armindo Rodrigues (Obra Poética, 1970-80);  João José Cochofel (Sol de Agosto, 1941; Os Dias Íntimos, 1950; 46° Aniversário,1966; Obra Poética, 1989); Joaquim Namorado (Incomodidade, 1945; A poesia Necessária, 1966); entre outros.

POEMA NEORREALISTA

Faremos aqui uma pequena comparação quanto à evolução de obras de um mesmo autor em diferentes momentos do movimento neorrealista.

Cantiga do Ódio

O amor de guardar ódios
agrada ao meu coração,
se o ódio guardar o amor
de servir a servidão.
Há-de sentir o meu ódio
quem o meu ódio mereça:
ó vida, cega-me os olhos
se não cumprir a promessa.
E venha a morte depois
fria como a luz dos astros:
que nos importa morrer
se não morrermos de rastros?

Carlos de Oliveira, in 'Mãe Pobre'(1945)
Filtro

O poema
filtra
cada imagem
já destilada
pela distância,
deixa-a
mais límpida
embora
inadequada
às coisas
que tenta
captar
no passado
indiferente.

Carlos de Oliveira, in 'Micropaisagem'(1968)

O poeta Carlos de Oliveira é um dos mais importantes do Neorrealismo, é natural do Brasil, mas foi para Portugal ainda criança e aderiu às tendências em voga.
O primeiro poema trata de 1945, fase inicial do Neorrealismo, o qual defendia uma literatura engagée, permeada pela crítica social em voga na época, e este poema mostra justamente a revolta ao regime totalitário em Portugal.
Embora o poema fale de amor e ódio, colocando em forma de antítese nos primeiros versos, entendemos este poema como uma metáfora, uma critica ao governo salazarista e a realidade como um todo, quando ele fala, por exemplo, em odiar a quem mereça, ou seja, o regime que estava instalado no país e o ódio que guarda o amor de servir a servidão, e servidão nos remetem as classes mais desfavorecidas, desprovidas de bens materiais.
A metáfora da morte também pode ser observada, expressada: “que nos importa morrer/ se não morrermos de rastros?”, seria morrer, mas morrer lutando por uma causa.
Quanto à forma o poema é composto de três quadras, versos heptassilábicos, ou redondilhas maiores e com rimas pobres evidenciando um apreço as composições antigas ou clássicas.
Já no segundo poema de 1968, podemos observar o desenvolvimento do autor em relação à forma e ao conteúdo. Quanto à forma observamos que se trata de um poema novo, e ao conteúdo percebe-se a valorização da linguagem até porque o poema é uma metalinguagem, ou seja, o poema falando do próprio poema, e isto é uma característica marcante da “poesia de 61”, que buscava no estruturalismo uma valorização da linguagem. Também observamos que o poeta está mais tranquilo quanto a critica social, como se tivesse superado a revolta, a dor já estava filtrada pelo poema, tratando de um “passado indiferente”. E este ano de publicação do poema, é o exato ano em que Salazar morre, não significando que o regime tenha acabado pelo menos a maior figura dele não estava mais presente e com isso o regime estava enfraquecido.


II.            SURREALISMO (1947-1974)


Lançado por André Breton, em 1924 na França, marcou toda a arte de vanguarda europeia no período entre as duas guerras mundiais. Após a Segunda Guerra (1939-45) começaram a surgir grupos de dissidência ou de individualismo inapetente das fórmulas que estavam em voga. Então em 1947, cria-se em Lisboa o Grupo Surrealista por iniciativa de Cândido da Costa Pinto, que teve sua primeira manifestação uma homenagem a Gomes Leal, intitulada Só Gomes Leal / o Mago Lesel / o Póro da Noite (1948). Em 1948, Mário Cesariny de Vasconcelos desliga-se da agremiação e organiza o Grupo Surrealistas Dissidentes.
Segundo Moisés (2009) os surrealistas entendiam que a Arte deveria buscar a expressão do que seria do que paira além da realidade, acima da realidade, propunham uma visão do mundo que recolocasse o “eu profundo” do artista em lugar das questões sociais. Essa expressão do inconsciente aconteceria livremente por meio de uma linguagem automática.
Um dos precursores do Surrealismo é Vitorino Nemésio (1901-1978), com as obras O Bicho Harmonioso (1938) e Eu, Comovido a Oeste (1940), que representam a primeira transformação dos gostos presencistas capaz de resistir ao seu rápido envelhecimento posterior à publicação póstuma de Pessoa. Ele nega os discursos presencistas, embora eles pretendessem ser apenas fieis ao fundo inconsciente e gratuito da sua intimidade.
Os Cadernos de Poesia também são precursores deste movimento. Foi fundada por Tomaz Kim, José Blanc e Ruy Cinati, a revista teve três séries e quinze números, em 1940-42, 1951, 1952-53. Nela queriam arquivar a atividade da poesia atual sem dependência de escolas ou grupos literários.
Mas, o maior divulgador foi Mário Cesariny (1923-2006), ao qual vamos conhecer, e também outros que são de fundamental importância.
Mário Cesariny: Ele foi o fundador do grupo dos Dissidentes e o mais persistente de todos, quando todos os grupos se desfizeram e quando houve mutação na obra dos surrealistas da primeira hora, ele manteve-se convicto de suas ideias e intuições. Destaca-se, sobretudo, na poesia graças à numerosa e densa produção na área: Corpo Visível (1950), Discurso sobre a Reabilitação do Real Cotidiano (1952), Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos (1953), A Afixação Proibida (1953), Manual de Prestidigitação (1956), Pena Capital (1957), Alguns Mitos Maiores Alguns Mitos Menores Propostos à Circulação pelo Autor (1958), Nobilíssima Visão (1959), Poesia (1961), Planisfério e Outros Poemas (1961), 19 Projetos de Aldonso Ortigão seguidos de Poemas de Londres (1971), Burlescas, Teóricas e Sentimentais (1972), Titânia e casa Queimada (1977), Primavera Autônoma das Estradas (1980).
Antônio Pedro: um dos fundadores do grupo dos Surrealistas de Lisboa, o primeiro, portanto o introdutor. É o primeiro português distintamente surrealista.
Na poesia praticou no início um lirismo com acentos simbolistas e saudosistas e com inspiração no Orfismo: Ledo Encanto (1927), Distância (1928), Devagar (1929), Máquina de Vidro (1931), Canções e Outros Poemas (1936), Diário (1929), A Cidade (1932), Casa do Campo (1938), Onze Poemas Líricos de Exaltação e o Folhetim (1938). Transitou para o Surrealismo em: Proto-Poema da Serra d’Arga (1948), onde há um refinamento com relação às obras anteriores.
Antônio Maria Lisboa: Deixando apenas um breve livro de poesia (Poesia de Antônio Maria Lisboa, 1977), sua obra é escassa, mas não menos fulgurante. A sua poesia timbra pela desconexão, como se vários “eus” que a um só tempo captassem a mesma realidade e elaborassem o mesmo poema.
Alexandre O’neill: Participou ativamente na instalação do Surrealismo em Portugal em 1947, e logo se manifestou por meio da publicação de A Ampola Miraculosa (1948). Outros vieram: Tempo de Fantasmas (1951), No Reino da Dinamarca (1958), Abandono Vigiado (1960), Poemas com Endereço (1962), Feira Cabisbaixa (1965), De Ombro na Ombreira (1969), Entre a Cortina e a Vidraça (1972), A Saca de Orelhas (1979), As Horas já de Números Vestidas (1981), Anos 70 – Poemas Dispersos (2005).
Natália Correia: Deixou, de acordo com os moldes surrealistas, diversas obras poéticas: Rio de Nuvens (1947), Poemas (1955), Dimensão Encontrada (1957), Passaporte (1958), Comunicação (1959), Cântico do País Emerso (1961), O Vinho e a Lira (1967), Mátria (1969), As Maçãs de Orestes (1970), A Mosca Iluminada (1972), O Anjo do Ocidente à estrada do Ferro (1973), Poemas a Rebate (1975), Epístola aos Iamitas (1976), O Dilúvio e a Pomba (1979), O Armistício (1985), Sonetos Românticos (1990).
Outros: José Viale Moutinho (Atento como um Lobo, 1975; Crônica de Cavaleiro Andante, 1975-2002), Artur do Cruzeiro Seixas (Obra Poética, 2002), Henrique Risques Pereira (Transparência do Tempo, 2003), Antônio José Forte (Desobediência Civil, 1989; Uma Faca nos Dentes, 2003), Fernando Alves dos Santos (Diário Flagrante. Poemas, 1954; Textos Poéticos, 1957; Diário Flagrante, 2005), Isabel Meyrelles (Em Voz Baixa, 1951; Palavras Noturnas, 1954; O Rosto Deserto, 1966).


POEMA SUREALISTA

Exercício Espiritual

É preciso dizer rosa em vez de dizer ideia
é preciso dizer azul em vez de dizer pantera
é preciso dizer febre em vez de dizer inocência
é preciso dizer o mundo em vez de dizer um homem

É preciso dizer candelabro em vez de dizer arcano
é preciso dizer Para Sempre em vez de dizer Agora
é preciso dizer O Dia em vez de dizer Um Ano
é preciso dizer Maria em vez de dizer aurora.
                                Mário Cesariny, in Poesia (1963)

Antes de tudo é importante que se entenda que quando se fala que os neorrealistas defendiam uma literatura fundada no inconsciente não significa estes só fossem melancólicos, românticos ou coisa assim, até porque o nosso inconsciente depende de nossa realidade, e este poema de Mário Cesariny de 1963 expressa perfeitamente o estado de espirito do autor na expressão de seus sentimentos/pensamentos em dada época.
Primeiro observamos uma comprovação de que realmente ele está expressando os pensamentos, pois sempre pensa algo e fala outro, “É preciso dizer rosa em vez de dizer ideia”.
Observa-se também que semelhante aos poemas neorrealistas, este faz uso da poesia para mostrar a realidade do país, que é o que ele estava pensando e expressa através da literatura, fazendo relação, por exemplo, a Salazar quando ele diz: “é preciso dizer o mundo em vez de dizer um homem”; ao clima de mistério expressado em “arcano”; ao tempo que parasse que não passa, um dia dura um ano; ao aspecto negro: “pantera” e a esperança de dias melhores: “aurora”.

REFERÊNCIAS

Cantiga do Ódio, Filtro. Disponível em: http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200810080001. Acesso em: 03/06/11.

História de Portugal. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_de_Portugal, Acesso em: 03/06/11.

JUNIOR, Benjamim Abdala. PASCHOALIN, Maria Aparecida. História Social da Literatura Portuguesa. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1985.

MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. 36ª ed. São Paulo: Cultrix, 2009.

________________. A Literatura Portuguesa Através de Textos. 27ª ed.
São Paulo: Cultrix, 2000.

SARAIVA, Antônio José. LOPES, Oscar. História da Literatura Portuguesa. 17ª ed. Porto-Portugal: Porto Editora, 2005.


CRÍTICA DE DOM CASMURRO (Machado de Assis)


GLEDSON, John. Machado de Assis: Impostura e Realismo. Uma reinterpretação de Dom Casmurro. Tradução de Fernando Py. 1ª reimpressão. Local: ---. Companhia das Letras, ano: ---.

·         “‘Machado se delicia em ser incompreendido’, diz Mucio Leão. Esta correto, creio, no sentido mais literal do termo, e este primeiro capitulo, introdução necessária ao que julgo ser a verdadeira substancia e assunto de Dom Casmurro, pretende por o leitor de sobreaviso para alguns dos perigos que o esperam na leitura e na releitura desse romance complexo e enganador.” (pg. 19)

·         “A capacidade de enganar, do romance, é extraordinariamente completa, como de fato esta implícito em que a possível inocência de Capitu permaneceu virtualmente despercebida durante tanto tempo. Isso esta presente tanto no nível geral do romance como no grau mais humilde das orações, cuja estrutura é mais complexa do que o leitor ... possa imaginar.” (pg.20)

·         “ O objetivo principal deste capitulo é mostrar como o romance ilude. (...) Antes, todavia, devem ser estabelecidos dois pontos importantes a respeito da situação da narrativa de Bento. Primeiro, ele é, evidentemente, um enganador que está tentando nos persuadir de uma dada versão dos fatos de sua história; mas, visto que também tenta persuadir a si próprio ... podemos confiar nos fatos  da maneira como nos são fornecidos. (...) Em segundo lugar, não devemos deixar de reconhecer o seguinte: embora Bento possa ser um enganador, ele também é um enganado. Isto é, não está ... ciente de certos significados de sua história. Em outras palavras, Machado, em Dom Casmurro, não abre mão de alguns comentários ‘externos’, que se podem associar às narrativas em terceira pessoa, onde há claramente uma presença que transcende à das próprias personagens.” (pg. 21)

·         “Assim, é inteiramente falso dizer pensar ser adequado classificar Dom Casmurro, acima de tudo, como narrativa de primeira pessoa (...). Nenhum dos últimos trabalhos de Machado pode ser classificado proveitosamente sem se levar muito mais em conta. Estaríamos bem mais próximos da verdade se disséssemos que Dom Casmurro é o mais complexamente enganoso de seus romances. A estrutura do romance pretende persuadir o leitor e evitar a suspeita de que tudo possa não ser como parece, sem, é claro, destruir as bases de suspeição sobre as quais se assenta uma interpretação melhor.” (pg.22)

·         “ A maneira mais simples de pôr em relevo os aspectos peculiares da narrativa de Dom Casmurro é estabelecer contraste com Brás Cubas, o primeiro romance de Machado narrado em primeira pessoa.(...)Onde Brás Cubas desafia o leitor, propondo problemas que requerem soluções, e sugere claramente que o narrador é iludido a ponto de estar louco. Dom Casmurro faz de tudo para amenizar o caminho do leitor através do que, na verdade, é um campo minado.” (pg.22-23)

·         “ (...) a maior diferença entre as estruturas narrativas de Brás Cubas e Dom Casmurro. Como é bem conhecido, ambos os romances são episódicos e digressivos. O que nem sempre se percebe é que Brás Cubas é bem mais genuinamente episódico que Dom Casmurro. Brás Cubas se divide em episódios, anedotas etc., que na maioria das vezes são autossuficientes e, com frequência lembrados por si mesmos.” (pg.25)

·         “ A primeira parte do livro ... se parece muito com a historia de jovens enamorados rebeldes lutando contra o repressivo mundo dos adultos ... mas subsiste o fato de que é ele que mantem o interesse do leitor durante grande parte do romance. (...). Portanto a ação se concentra na primeira parte do livro e é notavelmente continua: as interrupções sob a forma de digressão ou comentário sã relativamente escassas. (...). Contudo ... no período compreendido entre a entrada de Bento no seminário e o seu casamento, as interrupções se tornam cada vez mais frequentes.” (pg. 26-27)

·         “‘debaixo da janela’ (...) trecho incrivelmente complexo é talvez o momento do livro que exige o maior esforço mental, e corresponde... a um ponto crucial da trama, o primeiro encontro dos eventuais ‘adúlteros’”. (pg.30)

·         “(...) à medida que a história prossegue e se tornam mais frequentes as interrupções e manipulações do enredo, permanece esse amálgama de logica distorcida e coerência psicológica, o qual assume papel crescente no sentido de conduzir o leitor às conclusões por Bento. (...) desejo de impor um padrão aos acontecimentos, que precisam ser cuidadosamente organizados e apresentados para convencer o leitor de algo que na verdade Bento não afirma abertamente.” (pg. 30)

·         “’Dúvidas sobre dúvidas’ ... esse capitulo mostrará que as dúvidas de Bento não se referem a adultério, muito menos à identidade do pai de Ezequiel. Referem-se às interpretações da atitude de Escobar quanto à sua recusa em levar a serio as novas provas do caso de embargos, e à frieza de dona Gloria para com Capitu e Ezequiel. (...)Sua primeira suspeita ... é despertada pelo olhar de Capitu sobre o cadáver, descrito por Bento com um lirismo tão forte_ e tão tendencioso.”(pg.31-32)

·         “Talvez a mais ousada das imposições de padrão aos acontecimentos feitas por Bento ... refira-se a morte de Escobar ... no capitulo 123, intitulado ‘Olhos de ressaca’ ... procurando descobrir uma comparação adequada para  os olhos de Capitu, Bento se ‘depara com’ esta imagem marítima original.” ( pg. 35)

·         “ ... na seção anterior, deu-se a ênfase necessária a Bento, o enganador, que manipula os acontecimentos da narrativa  a fim de adapta-los o melhor possível a seu raciocínio em favor da culpa de Capitu. (...) Este subcapitulo refere-se a Bento ... como vitima dos mitos .... Pretendo mostrar como sua representação de personagens, em especial no caso de Capitu e Escobar, é viciada não só por certo grau de cálculo, mas por alguns equívocos naturais da natureza humana, que, ... Machado não partilhava.” (pg. 36)

·         “... Poderíamos começar focalizando os encontros de Bento com uma espacie de ‘eu’. Ele insiste em que, embora possa iludir outras pessoas, também precisa convencer esse ‘eu’. (...). Porém,..., quando Bento fala em tom racional de ‘enganar’ ou ‘persuadir’ a si mesmo, são bem menos frequentes que outros, nos quais seu envolvimento com o próprio eu é clara e intensamente emocional.” (pg.37-38)

·         “ Um dos problemas de Bento é sua noção precária da própria identidade; isso interfere em todas as suas experiências mais intensas ... e concorre para transforma-las em acontecimentos irracionais.(...). Por baixo do entusiasmo, Bento se defronta consigo mesmo com um problema ‘lógico’. Como pode seu ‘eu’ estar em dois lugares a um tempo, na criança e nele mesmo? É um problema que ele ‘resolve’ mais tarde, com lógica impecável, decidindo que o filho não é seu.” (pg.39)

·         “ Sua reação quando observa Capitu amamentando ... , a afirmação da paternidade(maternidade) ... resulta na mesma vertigem: ele pode enxergar o fato, porém ... não consegue ‘encará-lo’. (...). Sua incapacidade de compreender a relação existente entre sua identidade e a da criança, em um nível subconsciente, faz parte de sua mesma incapacidade de crer na própria paternidade, ela mesma produto da promessa ‘castradora’ de sua mãe de fazê-lo padre.” (pg.40)

·         “ Capitu é apresentada de modo bem realista (...). Contudo, aos poucos, ... , as insinuações metafóricas invadem esse realismo. (...). Escobar é descrito de modo mais ‘realista’ depois, conquanto ainda aqui não se possa ignorar as implicações pejorativas da ‘testa baixa’. (...). Escobar e Capitu,..., possuem algo que se assemelha a uma ‘alma interior’ ... . Ambos são capazes de ‘refletir’, recolher-se em si mesmos, abstrair-se da realidade a ponto de perderem a consciência dela, sem o horror que mesmo o contato momentâneo possui para...Bento.”(pg.43-44)

·         “A faculdade que tem Escobar e Capitu de pensar claro leva-nos a uma metáfora fundamental, a do ‘calculo’, que conduz imperceptivelmente da logica e do raciocínio matemático à astúcia e à impostura.”(pg.45)    

·         “Por motivos bem compreensíveis, levando-se em conta suas origens sociais, Capitu e Escobar são ‘enérgicos’, ‘exclusivos’: numa palavra, pessoas ambiciosas. No caso de Capitu, essas ambições são centradas em Bento; no de Escobar, no ‘comercio’, que ele confessa ser sua verdadeira vocação.” (pg.46)

·         “Bento é a um tempo o manipulador e o prisioneiro da metáfora, à medida que o livro avança, sua prisão se torna ainda mais completa, .... Atinge seu clímax em Ezequiel, a ultima personagem a ser apresentada.(...) é muito difícil, ..., obter qualquer ideia a respeito de seu caráter, ou mesmo de seu físico, tanto estes se tornam matéria a ser manipulada por Bento. O fato de ser filho, ... torna-o ...objeto de intenso interesse,(...); mas a obsessão de Bento com a própria paternidade torna quase impossível um visão objetiva a seu respeito.” (pg.46-47) 

·         “A falta de personalidade de Ezequiel é paradoxalmente acentuada pelo único dado que deveria caracteriza-lo: seu gosto pela imitação.(...).Mesmo quando Ezequiel reaparece no fim do livro, homem feito, a natureza formal do encontro de ambos não nos permite adivinhar nada, ainda que Bento possa ver ‘a cabeça aritmética do pai’ no seu interesse pelas antigas civilizações.”(pg.47)

·         “Assim, por ora, a retorica de Bento arrasou completamente ... qualquer esperança de uma visão objetiva. Contudo, o que resta é o comentário externo de Machado, os traços simbólicos ou alegóricos relativos a Ezequiel, que o leitor precisa tentar interpretar a fim de constituir outra espécie de trama, da qual Bento é totalmente inconsciente.”(pg.47)