sábado, 16 de julho de 2011

CRÍTICA DE DOM CASMURRO (Machado de Assis)


GLEDSON, John. Machado de Assis: Impostura e Realismo. Uma reinterpretação de Dom Casmurro. Tradução de Fernando Py. 1ª reimpressão. Local: ---. Companhia das Letras, ano: ---.

·         “‘Machado se delicia em ser incompreendido’, diz Mucio Leão. Esta correto, creio, no sentido mais literal do termo, e este primeiro capitulo, introdução necessária ao que julgo ser a verdadeira substancia e assunto de Dom Casmurro, pretende por o leitor de sobreaviso para alguns dos perigos que o esperam na leitura e na releitura desse romance complexo e enganador.” (pg. 19)

·         “A capacidade de enganar, do romance, é extraordinariamente completa, como de fato esta implícito em que a possível inocência de Capitu permaneceu virtualmente despercebida durante tanto tempo. Isso esta presente tanto no nível geral do romance como no grau mais humilde das orações, cuja estrutura é mais complexa do que o leitor ... possa imaginar.” (pg.20)

·         “ O objetivo principal deste capitulo é mostrar como o romance ilude. (...) Antes, todavia, devem ser estabelecidos dois pontos importantes a respeito da situação da narrativa de Bento. Primeiro, ele é, evidentemente, um enganador que está tentando nos persuadir de uma dada versão dos fatos de sua história; mas, visto que também tenta persuadir a si próprio ... podemos confiar nos fatos  da maneira como nos são fornecidos. (...) Em segundo lugar, não devemos deixar de reconhecer o seguinte: embora Bento possa ser um enganador, ele também é um enganado. Isto é, não está ... ciente de certos significados de sua história. Em outras palavras, Machado, em Dom Casmurro, não abre mão de alguns comentários ‘externos’, que se podem associar às narrativas em terceira pessoa, onde há claramente uma presença que transcende à das próprias personagens.” (pg. 21)

·         “Assim, é inteiramente falso dizer pensar ser adequado classificar Dom Casmurro, acima de tudo, como narrativa de primeira pessoa (...). Nenhum dos últimos trabalhos de Machado pode ser classificado proveitosamente sem se levar muito mais em conta. Estaríamos bem mais próximos da verdade se disséssemos que Dom Casmurro é o mais complexamente enganoso de seus romances. A estrutura do romance pretende persuadir o leitor e evitar a suspeita de que tudo possa não ser como parece, sem, é claro, destruir as bases de suspeição sobre as quais se assenta uma interpretação melhor.” (pg.22)

·         “ A maneira mais simples de pôr em relevo os aspectos peculiares da narrativa de Dom Casmurro é estabelecer contraste com Brás Cubas, o primeiro romance de Machado narrado em primeira pessoa.(...)Onde Brás Cubas desafia o leitor, propondo problemas que requerem soluções, e sugere claramente que o narrador é iludido a ponto de estar louco. Dom Casmurro faz de tudo para amenizar o caminho do leitor através do que, na verdade, é um campo minado.” (pg.22-23)

·         “ (...) a maior diferença entre as estruturas narrativas de Brás Cubas e Dom Casmurro. Como é bem conhecido, ambos os romances são episódicos e digressivos. O que nem sempre se percebe é que Brás Cubas é bem mais genuinamente episódico que Dom Casmurro. Brás Cubas se divide em episódios, anedotas etc., que na maioria das vezes são autossuficientes e, com frequência lembrados por si mesmos.” (pg.25)

·         “ A primeira parte do livro ... se parece muito com a historia de jovens enamorados rebeldes lutando contra o repressivo mundo dos adultos ... mas subsiste o fato de que é ele que mantem o interesse do leitor durante grande parte do romance. (...). Portanto a ação se concentra na primeira parte do livro e é notavelmente continua: as interrupções sob a forma de digressão ou comentário sã relativamente escassas. (...). Contudo ... no período compreendido entre a entrada de Bento no seminário e o seu casamento, as interrupções se tornam cada vez mais frequentes.” (pg. 26-27)

·         “‘debaixo da janela’ (...) trecho incrivelmente complexo é talvez o momento do livro que exige o maior esforço mental, e corresponde... a um ponto crucial da trama, o primeiro encontro dos eventuais ‘adúlteros’”. (pg.30)

·         “(...) à medida que a história prossegue e se tornam mais frequentes as interrupções e manipulações do enredo, permanece esse amálgama de logica distorcida e coerência psicológica, o qual assume papel crescente no sentido de conduzir o leitor às conclusões por Bento. (...) desejo de impor um padrão aos acontecimentos, que precisam ser cuidadosamente organizados e apresentados para convencer o leitor de algo que na verdade Bento não afirma abertamente.” (pg. 30)

·         “’Dúvidas sobre dúvidas’ ... esse capitulo mostrará que as dúvidas de Bento não se referem a adultério, muito menos à identidade do pai de Ezequiel. Referem-se às interpretações da atitude de Escobar quanto à sua recusa em levar a serio as novas provas do caso de embargos, e à frieza de dona Gloria para com Capitu e Ezequiel. (...)Sua primeira suspeita ... é despertada pelo olhar de Capitu sobre o cadáver, descrito por Bento com um lirismo tão forte_ e tão tendencioso.”(pg.31-32)

·         “Talvez a mais ousada das imposições de padrão aos acontecimentos feitas por Bento ... refira-se a morte de Escobar ... no capitulo 123, intitulado ‘Olhos de ressaca’ ... procurando descobrir uma comparação adequada para  os olhos de Capitu, Bento se ‘depara com’ esta imagem marítima original.” ( pg. 35)

·         “ ... na seção anterior, deu-se a ênfase necessária a Bento, o enganador, que manipula os acontecimentos da narrativa  a fim de adapta-los o melhor possível a seu raciocínio em favor da culpa de Capitu. (...) Este subcapitulo refere-se a Bento ... como vitima dos mitos .... Pretendo mostrar como sua representação de personagens, em especial no caso de Capitu e Escobar, é viciada não só por certo grau de cálculo, mas por alguns equívocos naturais da natureza humana, que, ... Machado não partilhava.” (pg. 36)

·         “... Poderíamos começar focalizando os encontros de Bento com uma espacie de ‘eu’. Ele insiste em que, embora possa iludir outras pessoas, também precisa convencer esse ‘eu’. (...). Porém,..., quando Bento fala em tom racional de ‘enganar’ ou ‘persuadir’ a si mesmo, são bem menos frequentes que outros, nos quais seu envolvimento com o próprio eu é clara e intensamente emocional.” (pg.37-38)

·         “ Um dos problemas de Bento é sua noção precária da própria identidade; isso interfere em todas as suas experiências mais intensas ... e concorre para transforma-las em acontecimentos irracionais.(...). Por baixo do entusiasmo, Bento se defronta consigo mesmo com um problema ‘lógico’. Como pode seu ‘eu’ estar em dois lugares a um tempo, na criança e nele mesmo? É um problema que ele ‘resolve’ mais tarde, com lógica impecável, decidindo que o filho não é seu.” (pg.39)

·         “ Sua reação quando observa Capitu amamentando ... , a afirmação da paternidade(maternidade) ... resulta na mesma vertigem: ele pode enxergar o fato, porém ... não consegue ‘encará-lo’. (...). Sua incapacidade de compreender a relação existente entre sua identidade e a da criança, em um nível subconsciente, faz parte de sua mesma incapacidade de crer na própria paternidade, ela mesma produto da promessa ‘castradora’ de sua mãe de fazê-lo padre.” (pg.40)

·         “ Capitu é apresentada de modo bem realista (...). Contudo, aos poucos, ... , as insinuações metafóricas invadem esse realismo. (...). Escobar é descrito de modo mais ‘realista’ depois, conquanto ainda aqui não se possa ignorar as implicações pejorativas da ‘testa baixa’. (...). Escobar e Capitu,..., possuem algo que se assemelha a uma ‘alma interior’ ... . Ambos são capazes de ‘refletir’, recolher-se em si mesmos, abstrair-se da realidade a ponto de perderem a consciência dela, sem o horror que mesmo o contato momentâneo possui para...Bento.”(pg.43-44)

·         “A faculdade que tem Escobar e Capitu de pensar claro leva-nos a uma metáfora fundamental, a do ‘calculo’, que conduz imperceptivelmente da logica e do raciocínio matemático à astúcia e à impostura.”(pg.45)    

·         “Por motivos bem compreensíveis, levando-se em conta suas origens sociais, Capitu e Escobar são ‘enérgicos’, ‘exclusivos’: numa palavra, pessoas ambiciosas. No caso de Capitu, essas ambições são centradas em Bento; no de Escobar, no ‘comercio’, que ele confessa ser sua verdadeira vocação.” (pg.46)

·         “Bento é a um tempo o manipulador e o prisioneiro da metáfora, à medida que o livro avança, sua prisão se torna ainda mais completa, .... Atinge seu clímax em Ezequiel, a ultima personagem a ser apresentada.(...) é muito difícil, ..., obter qualquer ideia a respeito de seu caráter, ou mesmo de seu físico, tanto estes se tornam matéria a ser manipulada por Bento. O fato de ser filho, ... torna-o ...objeto de intenso interesse,(...); mas a obsessão de Bento com a própria paternidade torna quase impossível um visão objetiva a seu respeito.” (pg.46-47) 

·         “A falta de personalidade de Ezequiel é paradoxalmente acentuada pelo único dado que deveria caracteriza-lo: seu gosto pela imitação.(...).Mesmo quando Ezequiel reaparece no fim do livro, homem feito, a natureza formal do encontro de ambos não nos permite adivinhar nada, ainda que Bento possa ver ‘a cabeça aritmética do pai’ no seu interesse pelas antigas civilizações.”(pg.47)

·         “Assim, por ora, a retorica de Bento arrasou completamente ... qualquer esperança de uma visão objetiva. Contudo, o que resta é o comentário externo de Machado, os traços simbólicos ou alegóricos relativos a Ezequiel, que o leitor precisa tentar interpretar a fim de constituir outra espécie de trama, da qual Bento é totalmente inconsciente.”(pg.47) 

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