Marcela Marinho de Oliveira
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo conhecer um pouco da poética de Florbela Espanca (1894-1930) a partir da análise de um de seus poemas intitulado “Eu”.
Os primeiros anos do século XX em Portugal são marcados por entrechoques de diversas correntes literárias: Decadentismo, Simbolismo, Impressionismo, etc. que tinham como ideal o domínio da Metafísica e do Mistério, em meio a grande revolução da ciência. E é nesse contexto que surgirão movimentos em defesa do avanço de Portugal em relação ao resto da Europa que vivia a Bella Époque.
Em face disso e engrossado pela situação político-econômico do país, no registro da 1ª Guerra Mundial, as lutas de implantação da republica e a ditadura fascista surge o Movimento Modernista em Portugal.
Florbela Espanca (1894-1908) viveu neste cenário e apesar de ter presenciado todos esses acontecimentos se manteve conservadora ou distante e não só da política, também do momento em que surgia o Modernismo, na procura de novos meios de expressão, novas perspectivas e diretrizes para a arte e a literatura, ela passa a margem dos vanguardismos e dos movimentos do Orpheu e da Presença.
Florbela foi uma mulher singular, uma poetisa de extraordinária sensibilidade. Suas manifestações poéticas estavam sempre aquém da necessidade de outro ser, um inconsciente imaginativo impulsionava os sentimentos desde dentro. Assim, ela avançava sem preocupar-se muito com a poesia que circulava nos meios literários a seu redor, nisso o próprio modernismo passou por despercebido em sua obra. Florbela produzia seus poemas por uma necessidade intrínseca e seu estilo não se detinha em acompanhar escolas e modas da época.
1.1. Florbela
A poetisa portuguesa Florbela de Alma da Conceição Espanca, filha de Antónia da Conceição Lobo e do republicano João Maria Espanca nasceu em Vila Viçosa (Alentejo), em 08 de Dezembro de 18 94. Nos estudos secundários realizados em Évora, surgem os seus primeiros versos, que postumamente foram publicados em Juvenília (1931). Casando-se em 1913 e sendo infeliz, vai para Lisboa estudar Direito em 1919, onde nesse mesmo ano publica a primeira coletânea de poemas, o Livro de Mágoas. A segunda coletânea, o Livro de Sóror Saudade é posteriormente publicada em 1923, e ambos passam despercebidos por parte da crítica. Em um novo casamento e novamente infeliz, Florbela deprimida, desiludida e doente, retira-se do convívio social, mas continua escrevendo e publicando sua poesia. Recolhida em Matosinhos, em busca de melhora e já agora estimulada por novas esperanças de felicidade conjugal, mas seus nervos já estão muito debilitados, até que em 8 de Dezembro de 1930 falece na mesma cidade em decorrência de um provável suicídio.
Além de Juvenilia (1931), Livro de Mágoas (1919) e Livro de Sóror Saudade (1923), escreveu também outras poesias: Reliquiae (1931) e Charneca em Flor (2ª ed. 1931) e os contos As Mascaras do Destino (1931) e Dominó Negro (1931).
1.2. A poética de Florbela
A poesia de Florbela, mais reveladora de talento que os contos, por ser produto de uma sensibilidade exacerbada por certos impulsos eróticos que corresponde a um verdadeiro diário íntimo, no qual extravasa as lutas que travam dentro dela, tendências e sentimentos opostos. Segundo Moisés (2008) caracterizando uma poesia-confissão, pela qual ganha relevo eloquente, cálido e sincero.
O seu lirismo vai oscilar entre um auto enternecimento e uma explosão erótica que tudo avassala, por isso falamos num certo “donjuanismo feminino”, pois o sensualismo desconhece limites, e espraia-se cálido e franco, no magma dos poemas; o seu erotismo supera as hipocrisias e as convenções pequeno-burguesas, cumprindo-se direto e natural, livre de intelectualização ou mentalização deformada.
Segundo estudo crítico de José Régio (1982), a poesia de Florbela se caracteriza por ser uma poesia de vida, onde ela põe todos os seus sentimentos nos poemas. Ele a caracteriza também como uma Mulher que parece ter nascido com duas incuráveis feridas: a insaciabilidade provada na sua constante inquietação e insatisfação e a de ser ela demais par uma só, de não caber em si, transbordar dos limites de uma personalidade.
Costumeiramente, Florbela tem sido popularizada como poetisa do amor, do erotismo, da sensibilidade, do “donjuanismo feminino” e outros. Mas não podemos deixar de vê-la também como poetisa da dor, e não só daquela que é rima obvia de amor, mas de uma dor existencial a que ela põe à tona em seus poemas; é poetisa do tempo, deste que passa e que é precioso fruir intensamente a cada instante; é poetisa do panteísmo, pampsiquismo e pansensualismo de cânticos pagãs à vida, embora também poetisa da morte, onde ora é desejada, ora é repelida; poetisa da poesia como destino, da missão e tragédia de ser poeta; poetisa da torre-de-marfim, usado em suas fugas; poetisa da problemática da alteridade (jogo Eu-Outro, Outro-Outros); e poetisa da mocidade que é ameaçada pela velhice e das cores e flores.
Diante deste perfil de poetisa, Florbela é antes de tudo uma poetisa que construiu uma linguagem própria, que por sua qualidade de elementos estéticos decisivos e particulares, cria algo de novo dentro dessa ordem simbólica da linguagem, na qual nos permite alcançar seu discurso inconsciente através de uma analise psicocrítica dos elementos, níveis e planos existentes de sua criação poética.
Estudos de vários autores mostram como Florbela é posta nas estéticas literárias, apresenta-se por vezes como Romântica, Simbolista-Decadentista, Pré-Modernista e Modernista.
Segundo Paiva, Org.(1995), o subjetivismo, pessimismo e especialmente o individualismo de Florbela a caracteriza visceralmente lírica e romântica, onde vida e obra se entretecem.
Já nos estudos de Douglas Tufano (1981), Florbela Espanca é considerada Simbolista, onde embora não pertencente ao momento áureo deste movimento, mas a sua poesia tensa e dramaticamente voltada aos problemas interiores da alma revelando sua ligação espiritual com autores, sobretudo Antônio Nobre e ideias simbolistas.
Na linha Pré-Modernista é Abdala Júnior (1985) quem a coloca, dizendo que embora a poética de Florbela tenha se desenvolvido em um momento isolado, individual, insere-se no período de transição do Simbolismo para o Modernismo.
Florbela Espanca Modernista é defendida por José Régio, onde ela aproxima-se do Presencismo por sua filosofia de Literatura Viva. E por Massaud Moisés (2009), pondo-a no movimento do Interregno, momento de transição entre Orfismo-Presencismo. Também nos estudos de José Rodrigues de Paiva (1995), onde este faz comparações quanto à estética com os modernistas Sá Carneiro e Fernando Pessoa em relação ao Orpheu na mesma busca de conhecimento de uma identidade profunda.
Ela também é posta dentro de uma linguagem em que esteticamente não se tem uma classificação precisa quanto a sua colocação dentro das escolas e/ou movimentos literários.
Mas, independente de aparentar-se a clássicos e românticos, saudosistas, simbolistas e modernistas, é naturalmente integrada à família do melhor lirismo português, e por isso tem sido considerada muito justamente a figura feminina mais importante da Literatura Portuguesa.
II. ANÁLISE POÉTICA DO “EU”
2.1. “Eu”
O poema “Eu” de Florbela Espanca, encontrado no seu Livro de Mágoas (1919), nos demonstra a definição que ela tem de si mesma acerca da vida e do mundo, envolvendo temas como: morte, amor, destino, solidão, dor e insaciabilidade, levando-nos a conhecer um pouco de Florbela Espanca, esta mulher tão singular na Literatura Portuguesa.
O poema é um soneto, portanto composto de quatro estrofes, sendo dois quartetos e dois tercetos, apresenta versos decassílabos regulares com rimas ABBA ABBA CCC DCD.
No primeiro quarteto, nos dois primeiros versos: “Eu sou a que no mundo anda perdida, / Eu sou a que na vida não tem norte”, encontramos o tema da solidão (“perdida”) e o da incerteza do destino (“não tem norte”), ou seja, não tem um rumo certo na vida, um caminho a seguir. O “Andar perdida” pode nos remeter a acontecimentos de sua vida pessoal, como o fato de ter perdido a mãe muito cedo, de não conseguir ter filhos e a busca incessante do amor e da felicidade, que nesse contexto já tinha sido infeliz no primeiro casamento.
Nos dois últimos versos do quarteto, tem-se a presença do sonho e da dor, quando diz: “Sou a irmã do Sonho, e desta sorte / Sou a crucificada... a dolorida...”, por sonhar demais e ser considerada uma mulher diferente para sua época era incompreendida pela sociedade.
No segundo quarteto desenvolve o tema da morte e do destino, e mais uma vez a incompreensão. Em: “Sombra de névoa tênue e esvaecida”, Florbela aparece com característica simbolista, e não só nesse verso também a presença de maiúsculas, reticências, etc. em outros versos do poema. Neste verso mostra-se como tênue ou de pouca importância, e nos versos seguintes: “E que o destino amargo, triste e forte, / Impele brutalmente para a morte! / Alma de luto sempre incompreendida!...”, encara o destino como forte e amargo, e que é o responsável por levá-la a morte. Assim a alma de Florbela é de luto, pela constante incompreensão por parte da sociedade. Temas como destino e morte são frequentemente tratados em decorrência de seus conflitos existenciais.
No primeiro terceto ela destaca um fato muito importante de sua vida: a falta de atenção, a descriminação, o estereótipo que ela sofria por toda a gente pensar que estava sempre triste, mas confessa não saber o porquê de muitas vezes chorar. Não só falta de atenção à sua pessoa em si, mas também de suas obras que passaram despercebidas a sociedade.
No último terceto: “Sou talvez a visão que Alguém sonhou, / Alguém que veio ao mundo para me ver / E que nunca na vida me encontrou!”, ela apresenta uma de suas principais características, a insaciabilidade, sua constante insatisfação, sempre sonhando com um Alguém e que um dia vai encontra-la, um amor perfeito feito especialmente para ela, e que o espera ansiosamente.
Em resumo, o poema trata da fragilidade do Eu, a constante busca de algo que não se sabe, um tema constante ao longo do tempo, que reflete a dor, a incompreensão sofrida por Florbela. Ela se apresenta como uma mulher desnorteada, sem rumo na vida, desejando a evasão.
Nota-se o sentimento de predestinação em que a culpa da morte é do destino, destacando também a descriminação por ela sofrida.
Observa-se que Florbela não tem uma definição exta de si mesma, isto porque como ela própria confessa em seus poemas não se sabia definir porque ainda não tinha se encontrado
Apesar da questão da colocação de Florbela nas escolas literárias, que na verdade fica em aberto para cada qual aceitar a melhor colocação para ela, independente disso ele não deve ser vista na relação com tal movimento, mas na sua literatura viva que se revela encantadora.
Portanto, Florbela Espanca é uma figura importantíssima para toda a literatura portuguesa, senão mundial como exemplo de mulher que nãoi teve medo de enfrentar a sociedade e por isso merece ser estudada com muita atenção e dedicação.
REFERÊNCIAS
BRITO, José Carlos A.. Florbela Espanca, a alma em expansão. Disponível em: http://www.jornaldepoesia.jor.br/jcarlosbrito6.html, acesso em 03/07/2011.
ESPANCA, Florbela (1894-1908). Sonetos. Ed. Completa com um estudo crítico de José Régio. São Paulo: DIFEL, 1982.
GOLDSTEIN, Norma. Análise do Poema. São Paulo: Ática, 1988.
ANEXO
EU
Eu sou a que no mundo anda perdida
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porque...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!
Eu sou a que no mundo anda perdida
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porque...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!
Florbela Espanca
estou fazendo um trabalho sobre Florbela e gostei muito do seu artigo. Adriana
ResponderExcluirObrigada! Estes dias fiquei afastada, mas logo estarei de volta com novas postagens.
ResponderExcluirGostei muito do seu artigo. Excelente trabalho de pesquisa e interpretação. Obrigada.
ResponderExcluirAmo as poesias da Florbela. Me emociona muito e me identifico com muitos de seus sofrimentos.
ResponderExcluirExcelente matéria, A melhor que já li sobre ela.
Excelente trabalho!
ResponderExcluiralguém sabe me dizer como eu descrevo o eu- lirico e o destinatario ?
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