sábado, 16 de julho de 2011

JOSÉ LINS DO REGO NUMA ANÁLISE DE “MENINO DE ENGENHO”





INTRODUÇÃO


Na fase considerada de amadurecimento da Literatura Brasileira _ a nossa segunda fase modernista, a chamada “geração de 30” _ surge no cenário nacional uma das figuras mais importantes da Literatura Brasileira até hoje: José Lins do Rego, que por suas raízes humildes e paraibanas, soube fazer do Regionalismo Nordestino a sua característica mais importante, sobretudo com o “ciclo da cana-de-açúcar”, ao qual Menino de Engenho é tanto a primeira obra desse ciclo quanto a do autor.
Publicada em 1932, esse livro de estreia tem como narrador-protagonista Carlinhos, que conta a infância no Engenho Santa Rosa, propriedade do avô materno, o Coronel José Paulino, onde lá conhece um mundo totalmente novo.
Dentro de um contexto, onde os engenhos de açúcar estavam em decadência dando ascensão às usinas, o autor mostra a realidade da época, da vida das pessoas que viviam nessa sociedade, mas com um ar de saudosismo, descrevendo o ambiente, a partir de memórias da própria infância e de observações da vida rural.
Analisaremos a obra “Menino de Engenho” na perspectiva de todo um contexto social existente, trabalhando todos os elementos da narrativa desde o enredo até a linguagem, como também os elementos contextuais.

 CAPÍTULO 1
 
CONTEXTO HISTÓRICO

José Lins do Rego (1901-1957) faz parte da segunda geração modernista brasileira (1930-1945), destacando-se com sua prosa regionalista e o ciclo da cana-de-açúcar.
Em 1942, numa espécie de balanço da Revolução Modernista de 1922, Mário de Andrade ressalta três conquistas decorrentes deste movimento: 1°) o direito permanente à pesquisa  estética; 2°) a atualização da inteligência artística brasileira e 3°) a estabilização de uma consciência criadora nacional. Mas como ponto negativo ressalta a distância entre o fazer literário e as multidões, a realidade político-social do Brasil. Isto porque o primeiro Modernismo estava comprometido fundamentalmente com a implantação de uma nova linguagem e de uma postura na literatura brasileira contra a rotina de imitação dos modelos europeus e do academicismo que imperava no final do século XIX.
Assim, os manifestos, as revistas e as propostas programáticas muitas vezes predominaram em relação à produção literária propriamente dita, que adquiriu um caráter de experimentalismo e de pesquisa estética, inevitáveis num contexto de desbravamento de novos caminhos. Nesse sentido, a segunda geração modernista brasileira, constitui um prolongamento da primeira, pois aprofunda as propostas e realizações de 22, promovendo a consolidação do Modernismo em nosso país.
Do ponto de vista histórico e político, o ano de 1930 inaugura um novo período no Brasil. Com o desgaste da política do café-com-leite, que caracterizou a Primeira República, os conflitos gerados pelas insurreições militares (Tenentismo e Coluna Prestes), a crise política das oligarquias e a “quebra” da Bolsa de Nova Iorque (1929), entre outros fatores, deflagram a Revolução de 30 e, com ela, abre-se um espaço de mudanças.
É o início da Era Vargas, marcada pela preocupação em promover a conciliação entre os setores agrários e os urbanos e em diversificar o capital, até então concentrado no café.
A tendência à industrialização acentua-se, remodelando nossa estrutura econômica agroexportadora. A modernização dos engenhos açucareiros do Nordeste também faz parte desse quadro geral de mudanças e constitui um dos grandes temas da prosa neorrealista da época, o caso de José Lins do Rego.
Em termos culturais amplos, trata-se de um momento de busca de novos caminhos: filosóficos, sociais, políticos e existenciais. Na literatura, a segunda geração do Modernismo é a expressão desse momento.

1.1.        A prosa neorrealista

Com relação à prosa da segunda geração modernista, a qual estamos trabalhando, surge o Neorrealismo, o tipo de Realismo em que o caráter cientificista e determinista do Naturalismo do século XIX é substituído por um enfoque político, de problemas regionais como a condição e os costumes do trabalhador rural, a seca, a miséria, o coronelismo, a decadência da oligarquia, caracterizando a prosa regionalista, a tendência que alcançou maior repercussão e importância na época, assumindo uma visão crítica das relações sociais e adquirindo contexto universalista.
Esse Neorrealismo dá nova dimensão tanto ao estilo realista quanto ao romance regionalista brasileiro. Segundo Bosi (2010, p.389): 
“ ... sendo o realismo absoluto antes um modelo ingênuo um limite
          de velha concepção mimética de  arte  que  uma norma   efetiva                                                                      da criação  literária, também esse romance novo precisou passar pelo 
          crivo de interpretações da vida e da História para conseguir dar um 
          sentido  aos  seus   enredos  e  às  suas  personagens.  Assim,  ao 
          realismo  ‘científico’  e  ‘impessoal’  do  século  XIX    preferiram os  
          nossos romancistas  de  30 uma visão critica das relações sociais.”

Encontramos bons exemplos de produção neorrealista brasileira nas obras de José Américo de Almeida (A Bagaceira, 1928), Rachel de Queirós (O Quinze, 1930), Jorge Amado (O País do Carnaval, 1931; Cacau, 1933; Suor, 1934; Jubiabá, 1935 e Capitães da Areia, 1937) entre outros. Os principais representantes do período, porém, são José Lins do Rego e Graciliano Ramos.
Trataremos agora, José Lins do Rego, em uma análise de sua obra “Menino de Engenho”, a primeira do ciclo da cana-de-açúcar.

CAPÍTULO 2

ANÁLISE DA OBRA

2.1. O autor e sua obra

José Lins do Rego Cavalcanti nasceu no Engenho Corredor, município de Pilar (Paraíba), a 3 de Julho de 1901. Passou a infância no engenho do avô materno. Fez os estudos secundários em Itabaiana e na Paraíba (atual João Pessoa) e Direito em Recife, onde a amizade com Gilberto Freire, José Américo de Almeida e Olívio Montenegro desvia-lhe da política para a literatura. Em 1926, decide deixar a promotoria em Minas Gerais e vai para Maceió (Alagoas), convivendo com Graciliano Ramos, Jorge de Lima e Rachel de Queirós. Em 1935 vai para o Rio de Janeiro onde participa ativamente da vida literária. Ocupou a cadeira 25 da Academia Brasileira de Letras, de 1955 a 1957, ano de sua morte.
Suas obras foram vertidas para o inglês, italiano, francês, alemão e espanhol.
Suas obras:
·         Obra de ficção: Menino de Engenho(1932), Doidinho(1933), Bangüe(1934), O Moleque Ricardo(1935), Usina(1936), Pureza(1937), Pedra Bonita(1938), Riacho Doce(1939), Água Mãe(1941), FogoMorto(1943), Eurídice(1947), Cangaceiros(1953).
·         Memórias: Meus Verdes Anos(1956)
·         Literatura infantil: Histórias da Velha Totônia(1936)
·         Crítica e Crônicas: Gordos e Magros(1942), Poesia e vida(1945), Homens, Seres e Coisas(1952), A Casa e o Homem(1954), Presença do Nordeste na Literatura Brasileira(1957), O Vulcão e a Fonte(1958).
·         Conferências: Pedro Américo(1943), Conferencia no Prata(1946),  Discurso de Posse(1957).
·         Viagem: Bota de Sete Léguas(1951), Roteiro de Israel(1955), Gregos e Troianos(1957).

2.2. Título e Tema

“Menino de Engenho” é a primeira obra do ciclo da cana-de-açúcar, ao qual sucedem Doidinho, Bangë, O Moleque Ricardo, e Usina, completando o ciclo posteriormente com Fogo Morto, que é a síntese de todo ele, desenvolvem a mesma temática, que é a decadência dos engenhos em provimento das usinas, e que ao longo do ciclo evolui, como podemos ver inicia com Menino de Engenho e termina por Usina e Fogo Morto.
A temática de Menino de Engenho é o retrato da infância do garoto no engenho, um ambiente de muita euforia e acontecimentos, dando luz à realidade Nordestina, a escravidão, a pobreza e miséria, apresentando os primeiros traços de decadência.
Portanto, podemos dizer que o tema da obra condiz com a temática desenvolvida.

2.3. Elementos da Narrativa

Menino de Engenho é uma narrativa regional, dividida em 40 capítulos, onde cada um trata basicamente de um fato acontecido no engenho, como as visitas a outros engenhos, as travessuras, etc., na infância do menino Carlinhos, ou mesmo na apresentação de personagens, como o cap.7: “A minha tia Sinhazinha”, cap.8: “Magrinha e Branca”, cap.21: ”A velha Totonha”.

2.3.1. Enredo

A história conta a infância de Carlinhos, um menino que fica órfão aos quatro anos de idade, depois do trágico assassinato da mãe pelo pai. Carlinhos é levado pelo tio Juca ao engenho do avô materno Jose Paulino (O Santa Rosa), enquanto o pai é preso e levado para um hospício. No engenho, Carlinhos vai conhecer a tia Maria, moça bondosa e generosa, que será para ele sua segunda mãe. Em contrapartida conhece a tia Sinhazinha, uma mulher velha de uns setenta anos, cunhada do avô que implicava com tudo e todos.
Longe dos olhos da tia Maria e na companhia dos primos conhece um mundo de aventuras, desigualdades sociais vividas pelos empregados do engenho, promiscuidade e desrespeito sexual. E foi nesse ambiente de falta de cuidados e atenção, que Carlinhos começa muito cedo sua vida amorosa, apaixonando-se pela primeira professora (Judite) e pela prima Maria Clara. Em meio ao desenvolvimento da infância de Carlinhos, alguns acontecimentos são marcantes, como a grande enchente que destruiu plantações, casas, pessoas e animais, a morte da prima Lili, o cangaceiro Antônio Silvino, o episódio do lobisomem, a morte do negro José Gonçalo e a de um trabalhador, retratam a turbulenta vida no engenho e são importantes para a construção da identidade do menino.
Com o casamento da tia Maria, o menino passou a ser cuidado pela tia Sinhazinha, bem mais séria e distante. A repressão o levou a um estado maior de libertinagem, principalmente sexual. Quando contrai uma doença venérea aos 12 anos com Zefa Cajá, a família decide enviá-lo a um colégio interno, o lugar o qual o tornaria um verdadeiro homem.

2.3.2. Personagens

Como a narrativa trata de toda a infância do menino, apresentam-se muitas personagens, mas destacaremos as principais:
Carlinhos — É o narrador do romance. Órfão aos quatro anos tornou-se um menino melancólico, solitário e bastante introspectivo. “Era um menino triste. Gostava de saltar com os meus primos e fazer tudo o que eles faziam. (...). Mas, no fundo era um menino triste.” (pg. 58). Mas de sexualidade exacerbada, mantém aos doze anos, a sua primeira relação sexual, contraindo “doença-do-mundo”.
Coronel José Paulino — É o todo-poderoso senhor de engenho – o patriarca absoluto da região. Era uma espécie de prefeito – administrava pessoalmente, dando ordens e fazendo a justiça que ditava a sua consciência de homem bom e generoso. “O velho José Paulino governava os seus engenhos com o coração. Nunca o vi com armas no quarto. Umas carabinas que guardava no guarda-roupa a gente brincava com elas, de tão imprestáveis.” (pg.62)
Carlinhos compara o avô até mesmo com um santo: “Ele tinha o orgulho da casta, a única vaidade daquele santo que plantava cana.” (pg.79)
Tia Maria — Irmã da mãe de Carlinhos (Clarisse) torna-se para este a sua segunda mãe. Querida e estimada por todos pela sua bondade e simpatia, era chamada carinhosamente de Maria Menina.
Velha Totonha — Uma figura admirável e fabulosa representa bem o folclore ambulante dos contadores de histórias.
Antônio Silvino — Representa o cangaço Nordestino, na figura de cangaceiro temido e respeitado pelo povo.
Tio Juca — Não representa um papel de tanto destaque no romance, mas por ser filho do senhor de engenho, de fazer e desfazer (sobretudo sexo com as mulatas), e não era punido, e representa uma figura de importância para Carlinhos, contribuindo relativamente na sua formação.
Lula de Holanda — Embora ocupe pouco espaço na narrativa, o Coronel Lula é personagem relevante, pois representa o senhor de engenho decadente que teima em manter a fachada aristocrática. “E o açúcar subia e descia – e o Santa Fé sempre para trás, caminhando devagar para a morte, como um doente que não tivesse dinheiro para a farmácia.”(pg.69)
Sinhazinha — Cunhada do Coronel, mas mandava e desmandava no governo da casa-grande. Era odiada por todos por seu rigor e carranquice.
Outros personagens também são importantes para a formação da identidade de Carlinhos, como: o pai e a mãe, os primos e Lili, o Zé Guedes, a Judite, Chico Pereira ( o que ficara no tronco), o José Cutia( a figura do lobisomem), a prima Maria Clara( 1ª namoradinha), a negra Luísa e Zefa Cajá( as principais figuras sexuais) e as negras Generosa e Galdina, entre outros.

2.3.3. Tempo

O tempo se dá cronologicamente. Uma das evidências disso é que Carlinhos tem quatro anos de idade quando a narrativa começa, e doze quando termina e sem retornos ou flashbacks ao passado.
“Eu tinha uns quatro anos no dia em que minha mãe morreu.” (pg.05)
“Tinha uns 12 anos quando conheci uma mulher como homem.” (pg.98)

2.3.4. Espaço

O romance se passa na região canavieira da Paraíba, especificamente no Engenho Santa Rosa, do Coronel José Paulino. E é no engenho que acontece praticamente todos os fatos marcantes do romance.
Encontramos outros ambientes como os engenhos visitados; sítio do seu Lucino, o Oiteiro, o Maravalha e o Santa Fé.

2.3.5. Narrador

Narrado em 1ª pessoa por Carlinhos ao qual é narrador-protagonista, participa da história demonstrando suas próprias impressões sobre ela.
“Eu tinha sido criado num primeiro andar. Todo o meu conhecimento do campo fizera nuns passeios de bonde a Dois Irmãos.” (pg.12)
“A minha primeira paixão tinha sido a bela Judite, que me ensinara as letras no seu colo.” (pg.80)

2.3.6. Discurso

Predomina o discurso indireto-livre, onde o narrador reproduz não só as falas dos personagens, como também os pensamentos.
“— Quando o velho fechar os olhos, quem vai sofrer é a pobreza do Santa Rosa.
E esta ideia da morte do velho José Paulino dominava as minhas cogitações. Quem tomaria conta do Santa Rosa, quem pagaria os trabalhadores?”(pg.64)
2.3.7. Linguagem

A linguagem é regionalista e popular, ou seja, a linguagem própria do local que se situa a história, neste caso a região Nordeste.
Abaixo, alguns termos regionalistas encontrados:
Adjutório — auxílio, ajuda.
Ancoretas — pequenos barris para transporte de aguardente.
Bexiga-doida — espécie de varíola.
Bois de coice — animal, que na no carro de bois, compõe a dupla da frente.
Brote — biscoito pequeno, torrado de farinha de trigo.
Barrão — porco novo, não castrado, reprodutor.
Cabrinhas — uma espécie de manga.
Cabriolé — carruagem leve, de duas rodas, puxada por cavalo.
Carne-de-ceará  — charque.
Chibante — orgulhoso, valentão, fanfarrão.
Dedique — troça, zombaria, gozação.
Enxó — instrumento de carpinteiro e tanoeiro.
Eito — roça onde trabalham escravos.
Foreiros — os que pagam foro (aluguel) ao senhorio direto.
Gálico — doença venérea (a que pode deixar sífilis), blenorragia; estar engalicado.
Junças — plantações típicas nos terrenos de cana-de-açúcar: cachaça.
Lupanar — lugar de encontros sexuais: prostíbulo.
Macaxeira — aipim.
Ouças — ouvidos.
Papeira — bócio.
Puxado — asma, falta de ar.
Quicé — faca velha, sem cabo, muito usada.
Relho — chicote.
Sezão — febre intermitente.
Taboca — bambu.
Teréns — trastes, objetos de uso doméstico.
Xeixeiro — adulador, pateta.
CAPÍTULO 3

ANÁLISE DOS ELEMENTOS CONSTITUINTES DA OBRA

A narrativa é muito rica nos elementos regionais, em toda a descrição do engenho, na vida de seus moradores. “Da calçada da casa-grande viam-se no meio do canavial aquelas cabeças de chapéu de palha subindo e descendo, no ritmo do manejo da enxada: uns oitenta homens comandados pelo feitor José Felismino, de cacete na mão, reparando o serviço deles. Pegava com o sol das seis, até a boca da noite. (...). paravam às dez horas, para o almoço de farinha com bacalhau. Comiam na marmita de flandres, lambendo os beiços como se estivessem em banquetes. E deitavam-se por debaixo dos pés de juá, esticando o corpo no repouso dos 15 minutos.” (pgs.74-75), e nessa descrição da vida no engenho destacamos a pobreza, uma grande característica da realidade da época, observando a descrição de Carlinhos com relação às crianças: ”E eram mesmo abençoados por Deus, porque tinham o sol, a lua, o rio, a chuva e as estrelas para brinquedos que não se quebravam.”(pg.56), e mais ainda posto numa comparação feita dos cães: “ Cachorrinhos com barriga partindo, de magros, acompanhavam seus donos para a servidão. Rondavam pelos cajueiros, perseguindo os preás. Porém não pisavam no terreiro da casa-grande. Os cachorros gordos do engenho não davam trégua aos seus infelizes irmãos da pobreza.” (pg.75). Isso mostra a desigualdade social da época existente até mesmo entre os animais.
Carlinhos acrescenta ainda que nunca tivera pena daquele povo que segundo ele: “Eles nasceram assim porque Deus quisera, e porque Deus quisera nós éramos brancos e mandávamos neles. Mandávamos também nos bois, nos burros, nos matos.” (pg.76).
Tratando-se por “brancos”, encontramos o tema da escravidão, o qual é muito intenso na obra, na colocação da palavra “negro”, “negra”, exemplo: a negra Maria Gorda, o negro Salvador, “um pretinho”, negro José Gonçalo, etc.. O narrador mostra que: “A senzala do Santa Rosa não desaparecera com a abolição. Ela continuava pegada à casa grande, com as suas negras parindo, as boas amas-de-leite e os bons cabras do eito.”(pg.52), e além da senzala a presença também do tronco que raramente era usado, mas estava lá. Em um episódio, o velho José Paulino apresenta memórias do tempo da escravidão, relatando até a passagem do imperador Dom Pedro no Pilar.
Um aspecto importante a ressaltar dessa pobreza e servidão existentes no Santa Rosa é que eles não reclamavam de nada, eram pessoas relativamente tranquilas, e isso se deve ao fato do Coronel José Paulino ser um homem bom e justo, dando a assistência necessária ao povo.
Elementos de religiosidade também são bem marcantes na obra. Embora o quarto de santos do engenho esteja sempre fechado, só abrir nos tempos de festa e o Coronel, segundo o narrador não era um devoto, não costumava ir às missas, não se confessava, mas sempre vinha em suas falas um “se Deus quiser”, “tenho fé em Nossa Senhora”, e ajudava os padres das duas freguesias nas suas festas e necessidades. Tanto que na narrativa a palavra “Deus” estar sempre presente.
            E Carlinhos, embora a tia Maria tenha lhe ensinado as orações também se considerava um sem religião: “... E nada de Deus por dentro de mim. Era indiferente aos castigos do céu. Os lobisomens faziam-me mais medo. A minha religião não conhecia os pecados e as penitências. O pavor do inferno, eu confundia com os castigos dos contos de Trancoso. (...). Ia para a cama sem um pelo-sinal e acordava sem uma ave-maria. (...). Agora o colégio iria consertar o desmantelo desta alma descida demais para a terra.” (pg.102). E isto porque como ele mesmo diz sua alma desceu demais para a terra, para os prazeres da carne, especificamente sexuais: “O sexo crescia em mim mais depressa do que as pernas e os braços.” (pg.87). Sobre esta questão, podemos dizer que esse desenvolvimento precoce do menino teve influências como as: dos primos e moleques nas travessuras, o Zé Guedes e suas conversas, das revistas do tio Juca, as negras do engenho e ambientes como o curral: a aula pública do amor.
A narrativa faz referências a crendices populares, traços marcantes da cultura popular nordestina, como a do lobisomem, citada através de José Cutia, um comprador de ovos da Paraíba. “... não tinha uma gota de sangue na cara e andava sempre de noite, para melhor fazer as suas caminhadas, sem sol.” (pg.42), por isso achava-se que ele era lobisomem. A crença do zumbi também se faz presente, era a alma dos animais que ficava rondando.
Falando em cultura popular, o folclore se faz presente na figura da velha Totonha, que saia de engenho a engenho a contar histórias como uma edição viva das Mil e uma noites.
Já o cangaço se apresenta na figura de Antônio Silvino, temido e respeitado por todos, mas na visita que fez ao Coronel José Paulino o tratou com respeito e simpatia.
Todos esses traços regionais são de excepcional importância para a construção da narrativa, dando a ela um enriquecimento maior quanto à realidade.
A intertextualidade que a obra faz com o Ateneu é um elemento de extrema importância: “Aquele Sérgio, de Raul Pompéia, entrava no internato de cabelos grandes e com uma alma de anjo cheirando a virgindade. Eu não: era sabendo de tudo, era adiantado nos anos que ia atravessar as portas do meu colégio.
Menino perdido, menino de engenho.” (pg.104).Essa intertextualidade mostra o conhecimento de José Lins do Rego com O Ateneu de Raul Pompéia.
Em resumo, o romance pode ser entendido como um canto de saudosismo aos engenhos, caracterizado pelos métodos de produção de açúcar de cana de forma artesanal. E que depois os engenhos foram substituídos pelas usinas, onde o sistema industrial predomina, a obra apresenta, portanto, uma reunião de flashes do passado do autor.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obra Menino de Engenho de José Lins do rego é de suma importância para a história do Brasil, especificamente do Nordeste, essa região de grande destaque no cenário nacional, sobretudo na época que a obra retrata, do início da industrialização, na substituição dos engenhos açucareiros pelas usinas. A obra marca também a entrada do autor na vida literária, e constitui um de seus marcos como autor regionalista brasileiro.
Com sua descrição minuciosa dos fatos, ele dá a obra, uma constituição mais real e criticista, demostrando toda a realidade da época, de como era a vida dos trabalhadores e moradores de engenho, nos fazendo transcender para aquele ambiente e assim nos instigando ao desenvolvimento de uma crítica social, caracterizando o chamado Neorrealismo. E mais ainda com o seu clima de saudosismo, com as lembranças que o “verdadeiro” menino de engenho traz a tona daquela vida para ele boa que nos encanta mais ainda.
O autor soube, portanto, organizar da melhor maneira possível todos os flashes de lembranças da vida na infância e nos transpor conhecimentos enriquecedores quanto ao tema.


REFERÊNCIAS

BOSI, Alfredo.  História Concisa da Literatura Brasileira. 46ª ed. São Paulo, Cultrix: 2010.

MOISÉS, Massaud.  A Literatura Brasileira Através dos Textos. 26ª ed. São Paulo, Cultrix: 2007.

REGO, José Lins do.  Menino de Engenho. Organização de Maria Amélia Mello. Rio de Janeiro, José Olympio: 2003.


Acessado em: 04/05/2011.






7 comentários:

  1. Obrigado por postar tão completa análise desta importante obra literária, eu estudante tardio de letras só tenho a comemorar.

    ResponderExcluir
  2. Muito bom professora e Parabéns! Sou aluno do IFPB-CG, achei ótimo, me ajudou muito.

    ResponderExcluir
  3. Excelente análise! Obrigada por compartilhar.

    ResponderExcluir
  4. u.U muito bom, ajudo bastante! thanks very much!

    ResponderExcluir
  5. Parabéns pela análise, após a leitura do livro foi uma das poucas análises bem feitas e completas que encontrei, pois por mais que se leia o livro não da para saber de tudo e é sempre bom ler a perspectiva do outro, me trouxe vários elementos que passaram desapercebidos na minha leitura, lerei de novo para me atentar à estes aspectos citados.

    ResponderExcluir